Cândido Gryzbowski
Sociólogo, diretor do Ibase
O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase é parte do extenso, diverso e complexo conjunto de organizações sociais sem fins lucrativos do Brasil (mais de 320 mil segundo o IBGE) denominado ONGs, nome inventado para denominar atores públicos não governamentais quando da criação da ONU, em 1945. Entre nós, o nome genérico ONG pegou exatamente quando da realização da maior Conferência das Nações Unidas no Brasil, a Eco-92. São entidades e movimentos sociais públicos, voltados à causa pública, aos bens comuns, à defesa e promoção de direitos humanos. O Ibase se orgulha de fazer parte da Associação Brasileira da ONGs – Abong desde a fundação, em 1991, sendo Betinho, à época diretor geral do Ibase, escolhido como seu presidente honorário. O Ibase se autodefine como organização de cidadania ativa e assim considera todas as afiliadas da Abong e a imensa maioria das assim denominadas ONGs brasileiras.
Não é minha intenção lembrar aqui as relevantes agendas de direitos e de cidadania levantadas pelo Ibase ao longo de seus 30 anos de história, comemorados em agosto deste ano de 2011, história intimamente ligada à democratização do Brasil. Isto porque é a história coletiva das ONGs que merece um lugar central na reconstrução e aprofundamento da democracia brasileira. Aí entram não só as poucas afiliadas da Abong. A democracia no Brasil deve muito às ações não governamentais das Pastorais Sociais (da Criança, da Terra, Urbana…), às redes e fóruns (economia solidária, catadores de lixo, segurança alimentar, Articulação do Semiárido, Agroecologia, Reforma Urbana…), aos movimentos sociais e suas entidades (Sem Terra, Atingidos por Barragens, Sem Teto Urbanos, Favelados, UNE e entidades de juventude…), às feministas e suas entidades, aos movimentos negros e suas entidades, aos movimentos dos LGBT, às entidades cidadãs de comunicação e iniciativas de inclusão cultural, às Apaes, às Santas Casas, aos movimentos cidadãos como o Ficha Limpa e tantas e tantas outras iniciativas. Afinal, somos mais de 320 mil! Um grande tecido social, ativo e vibrante, que faz enorme diferença no enfrentamento de questões espinhosas da nossa democratização, sobretudo as múltiplas facetas da desigualdade e exclusão social que ainda nos marcam. Trata-se de uma sociedade civil emergente, com iniciativas de impacto mundial, como o Fórum Social Mundial, contraponto do Brasil emergente como potência econômica e ator geopolítico.
Mas, atenção! Todo este conjunto, indistintamente, está sendo criminalizado e confundido propositadamente com um minúsculo conjunto de organizações, também ONGs, que têm sido usadas como canais de desvio de recursos públicos. São organizações criadas ou controladas por políticos, deputados, ministros e altos funcionários públicos, corruptos e corruptores, que se valem da grande falta de um marco legal cidadão para as ONGs e, através de contratos nada transparentes, desviam recursos públicos. Desconhecer os verdadeiros culpados – o nosso corrupto e antidemocrático sistema político-partidário, o clientelismo e a privatização do bem público que estão encrustados no Estado brasileiro, todas questões no caminho da democratização – e buscar bodes expiatórios no complexo mundo das ONGs brasileiras é tarefa fácil, mas claramente antidemocrática. Considerar todas as ONGs, em sua diversidade e relevante papel cidadão, como sendo criminosas é má-fé e ataque à própria democracia. Aliás, surpreende que no mesmo clima de criminalização generalizada agora se tenta desqualificar o próprio movimento sindical, um outro pilar da sociedade civil, um dos principais artífices da cidadania entre nós. Estamos diante de um perigoso e irresponsável ataque a toda a sociedade civil, locus em que se gestam e crescem as democracias.
Inspiro-me num dos maiores teóricos da transformação democrática dos sistemas políticos do século XX, Antônio Gramsci, para lembrar aqui a centralidade das sociedades civis nas democracias. Para Gramsci, as sociedades civis são o próprio berço das democracias. É nelas que se gestam as resistências ao poder e às políticas que dele emanam, se produzem as alternativas e surgem os movimentos transformadores, primeiro como trincheiras diante do poder e depois como ação pública, na praça, que varre institucionalidades e produz um novo Estado de Direito. Foi assim entre nós. Está sendo assim, hoje, no Mundo Árabe. Sorrateiramente, começa a ser na autoritária China. Nas sociedades civis se forma a própria cidadania, não a delegada pelo Estado, mas a cidadania ativa constituinte e instituinte, que forja os sujeitos coletivos ao mesmo tempo que elabora a cultura democrática dos direitos de cidadania, define a institucionalidade, cria e investe de legitimidade os representantes detentores do poder político.
O ataque genérico que nos atinge, hoje, no Brasil, o vejo como uma tentativa de deslegitimar conquistas fundamentais da democracia que temos. Pior, se quer impedir que surja mais uma nova e poderosa onda transformadora – como as novas resistências e agendas que começam a pipocar pelo Brasil afora –, cujo impulso só pode vir donde os poderosos não querem, temendo por seus privilégios confundidos com direitos: a multifacetada e sempre surpreendente sociedade civil brasileira.
O momento é difícil para a sociedade civil. Parece que após estas décadas de democratização, chegamos a um ponto em que seríamos até dispensáveis, especialmente as ONGs, a acreditar no discurso conservador que domina nossa mídia e contamina o sistema político todo. Enganam-se os que pensam que este clima de denúncias vai intimidar as entidades e movimentos. Vamos usar a adversidade como oportunidade para nos refundar e radicalizar nosso papel como fermento democrático transformador, que faz da cidadania, de todos os direitos, dos bens comuns e da sustentabilidade da vida como as bases do viver coletivo para todas e todos.

Comentários 2

  1. maria pìa matta
    7 de novembro de 2011

    totalmente de acuerdo con esta reflexión de Cándido, ademas nos da mas argumentos para seguir adelante con esta discusión en América latina

  2. laerte
    9 de novembro de 2011

    De fato, no Brasil é muito difícil articular a sociedade no primeiro momento como trincheira ao poder. Poucas são as instituições que se prestam a tanto. Não podemos nos intimidar.

Não são permitidos comentários.

Tradução »

jepe500

slot resmi

slot

slot dana

slot zeus

slot

rejekibet

88id

jkt8

slot pg

jayaslot

slot88

oppo500

toto slot

slot777

slot maxwin

jayaslot

slot maxwin

slot mahjong

slot

slot

INK789

slot zeus