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A necessária cooperação tributária na América Latina*

Por Nathalie Beghin, economista, integrante do colegiado de gestão do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e conselheira do Ibase.

Nos dias 27 e 28 de julho, em Cartagena, na Colômbia, os titulares das pastas da Fazenda dos governos da América Latina e do Caribe irão se reunir no âmbito da primeira Cúpula Ministerial da região intitulada “Rumo a uma tributação global inclusiva, sustentável e equitativa”. Esse evento é importante, pois urge os países da região colaborarem entre si para combater os equívocos fiscais que anualmente drenam recursos de políticas públicas para direitos humanos. Urge, também, a criação de mecanismos de participação social para que as necessidades das pessoas empobrecidas sejam incorporadas nos processos de tomada de decisão de cooperação tributária.

Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), a evasão fiscal na América Latina corresponde a cerca de 6% do PIB da região. Esses recursos, da ordem de US$ 340 bilhões por ano, poderiam eliminar a pobreza extrema nesses países, que atinge 82 milhões de pessoas. Apesar de o fenômeno da evasão e elisão fiscal ser global, são as pessoas mais empobrecidas as principais afetadas. De acordo com a Tax Justice Network, os países do mundo estão perdendo anualmente US$ 483 bilhões em impostos não pagos em decorrência de abusos tributários cometidos por multinacionais e por pessoas muito abastadas. Com tais valores, seria possível acabar com a fome de milhões de pessoas no mundo.

O abuso fiscal em nossas sociedades se desenvolveu em um contexto de globalização e requer, portanto, soluções globais. Durante uma década, as negociações sobre o sistema tributário internacional, especialmente em uma economia crescentemente digitalizada, têm sido lideradas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e pelo G20 – em um processo chamado de BEPS – Base Erosion and Profit Shifting (erosão da base tributável e transferência de lucros). Finalmente, em outubro de 2021, 140 países assinaram um acordo sobre tributação internacional.

URGE OS PAÍSES DA REGIÃO COLABORAREM ENTRE SI PARA COMBATER OS EQUÍVOCOS FISCAIS QUE ANUALMENTE DRENAM RECURSOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA DIREITOS HUMANOS

Infelizmente, esse acordo nem sempre leva em consideração as demandas e os interesses dos países em desenvolvimento, pois foi conduzido, e nem sempre de forma transparente, pelos países mais ricos, sedes das multinacionais e residências de grande parte dos bilionários do mundo. É por essa razão que a União Africana tem encabeçado um movimento, que recebe o apoio de organizações da sociedade civil do mundo, para a criação de uma Convenção Fiscal Internacional no marco das Nações Unidas, arena muito mais democrática e inclusiva do que a OCDE e o G20, uma vez que todas as nações têm voz e voto.

Como resultado desse esforço, no final do ano passado, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução sobre a instalação de um processo de cooperação internacional em matéria de tributação. Trata-se de um primeiro passo para a construção de mecanismos mais democráticos, inclusivos e transparentes de reforma da arquitetura tributária global.

Nesse contexto, a Cúpula de Cartagena pode cumprir papel relevante para possibilitar que os países da América Latina e do Caribe avancem na definição de medidas mais eficazes na luta contra a evasão e a elisão fiscais, tanto para as grandes corporações quanto para as grandes fortunas. Mas também para garantir que a região una forças face ao papel que pode desempenhar na agenda internacional.

Os desafios não são poucos, pois a heterogeneidade regional é grande e existem visões distintas, e nem sempre harmônicas, em relação a aumentar a tributação sobre a renda e a riqueza, eliminar privilégios fiscais ou, ainda, aumentar a transparência tributária. Contudo, a Cúpula de Cartagena pode ser uma oportunidade para construir um consenso latino-caribenho para enfrentar as múltiplas crises (econômica, social, climática, etc.) que afetam o continente com políticas fiscais mais justas e sustentáveis.

Um elemento importante para tal é o envolvimento da sociedade civil por meio de mecanismos formais de participação social, de modo a trazer para a reflexão conjunta as vozes e demandas das pessoas mais afetadas por sistemas tributários injustos. Em Cartagena será acordada uma plataforma de governança regional em matéria de tributação e espera-se que a participação social seja parte integrante desse processo.

(*) publicado originalmente no Nexo Jornal, em 23 de julho de 2023.

Foto de R Boed, licença Creative Commons.

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