Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
A corrupção na política está gerando muita indignação no meio popular. Ao mesmo tempo, cresce assustadoramente o descrédito na política como ela é. Nem precisa de muita matemática para avaliar a brutalidade da corrupção para o grosso da população. Afinal, quem ganha um salário mínimo precisa trabalhar 40 anos – e ainda correr o risco de nem se aposentar por causa das mudanças na previdência social – para ganhar o que é apenas um “mensalinho” de 500 mil reais do deputado de confiança do presidente Temer. Ou, ainda pior, pois toda uma família de quatro trabalhando duro, 8 horas por dia, recebendo cada um o salário mínimo, precisam somar seus 40 anos vezes quatro para chegar àquela ajudinha de R$ 2milhões de reais que o Aécio Neves recebeu. E o que dizer dos mais de 1 bilhão de reais desviados pelo grupo do apaixonado Cabral e as escandalosas compras de joias?
Ninguém entende ou consegue imaginar números tão fantásticos revelados pela corrupção dos políticos e gestores públicos por empresas tipo JBS, Odebrecht e tantas outras mais. Por sinal, por que ainda não apareceram os grandes bancos como corruptores se são eles os maiores e praticamente únicos beneficiários da política monetária do Banco Central, que lhes passa quase metade do orçamento federal em nome dos juros da dívida pública? Também é de estranhar a ausência nas listas de beneficiários da corrupção empresarial os representantes do Judiciário, até aqui bancando os bons mocinhos. Com o nível de corrupção no país, será que as homologações das tais delações premiadas são isentas? Ao menos no seio popular, o poder Judiciário não é visto como alheio a isto tudo, pois basta ver quem eles botam para apodrecer nas prisões e como sempre encontram maneiras de por em liberdade os tais “tubarões”.
Tenho pensado nisto tudo para entender a indignação e o descrédito nos políticos e partidos reinante na alma popular brasileira nestes últimos tempos. Não falo daquela pequena parcela organizada em movimentos sociais, sindicatos e demais organizações de cidadania ativa. Aliás, estas organizações e seus líderes também andam um tanto desacreditados. No caso dos partidos e da política não resta nenhuma dúvida de que a corrupção destrói tanto figuras públicas, políticos em geral e partidos, como, sobretudo, avilta a política como bem comum democrático. Vai ser difícil erradicar da alma popular brasileira a sensação de que toda política é um espaço de safadeza, roubo e enriquecimento pessoal. Como desfazer isto?
Reverter isto tudo sempre é possível. Aliás, no final dos 70 e início dos 80, a ditadura foi derrotada por uma efervescência que se alastrou no seio do povão. Tudo confluiu no grande movimento cidadão das “Diretas Já”. Se conseguimos fazer isto naquela época, já lutando contra o monopólio da grande mídia pela Globo e sendo invisibilizados por ela, é prova histórica de que podemos fazer de novo, com o dobro do tamanho da cidadania que temos hoje e conectada como está. É uma questão de passar da indignação, do descrédito, para a ação convicta. Isto passa por voltar a acreditar e ter imaginários que mobilizam e levam ao engajamento cívico.
Temos uma gigantesca tarefa de comunicação pela frente. Precisamos enfrentar os grandes meios, especialmente o domínio da Globo. Hoje ela se apresenta como a promotora da moralidade pública, dando especial atenção à corrupção, até denunciando o Temer, o governo golpista que deve muito exatamente a ela e à sua pregação de que os mais corruptos da história foram os governos petistas de Lula e Dilma. O juiz Moro e os promotores liderados pelo procurador Deltan Dallagnol não passariam de funcionários públicos exercendo seu dever, como tantos outros, não fosse a notoriedade construída para eles exatamente pela Globo. Aliás, notoriedade que subiu à cabeça dos próprios, hoje se achando acima do bem e do mal.
O fato é que precisamos passar a limpo a questão da corrupção e denunciá-la como o câncer da política, que pode matar até a democracia entre nós. Precisamos de coragem para reconhecer que tal câncer criou metástases também entre as forças políticas de esquerda. Cidadania, democracia, justiça social, bem viver e sustentabilidade não rimam com corrupção! Ela é um problema maior e verdadeiro entrave para que voltemos a acreditar que com democracia é possível construir outro país. Mas nada poderemos fazer para avançar na desmercantilização e emancipação da política como bem comum se acharmos que o mal está somente no meio dos outros. O fato de que as investigações finalmente chegaram ao sistema como um todo, não exime de culpa nossos partidos e nossos líderes. E não vai ser praticando a política como ela se tornou entre nós é que voltaremos a criar movimentos irresistíveis de cidadania, capazes de reinstalar a força transformadora da democracia entre nós.
De minha experiência pessoal, conversando aqui e ali com os que me cercam no cotidiano, desconhecidos em geral, mas nos quais reconheço os mesmos direitos de cidadania que os meus, tenho me surpreendido com a acolhida de ideias que ajudam a ver além dos noticiários bombásticos. Se há uma coisa que todo mundo entende é a afronta aos direitos de aposentadoria, a precariedade dos serviços de saúde, educação, transporte e segurança. Todo mundo sente que o salário não alcança o fim do mês. A falta e a precarização estão na boca do povo. E elas estão sendo vistas associadas à corrupção reinante. Mas, ao mesmo tempo, vistas com sensação de que “não tem jeito”, “política é assim mesmo”.
Para voltar a acreditar em outro país possível, precisamos desconstruir este senso comum. É verdade que a corrupção é um grande mal ético e político. Mas para além do que significa em termos de recursos desviados, importa ver a corrupção como câncer que está destruindo os sonhos coletivos de uma nação inteira. Somente pela ação cidadã na política e do espaço público como bens comuns é que poderemos mudar tudo isto. Tarefa gigante, sem dúvida. Mas, como diz a canção, “a gente faz a hora, não espera acontecer”. O fato é que a hora é oportuna, pois estamos diante de um governo golpista que só precisa de um empurrão das ruas para cair. Claro, a queda do Temer pode significar pouco além de uma vacância de poder. Não deixemos os oportunistas corruptos alojados no Congresso Nacional decidir por nós o futuro. Temos que sair das trincheiras em que fomos encurralados e avançar determinados nas ruas do país. Vamos transformar tudo em uma questão de cidadania. Sinto que o povão está ansioso por um sinal de que a sua participação fará toda a diferença.
Rio, 26/05/17.