Por Itamar Silva
Do Ibase
No dia em que se confirmava a escrota votação do congresso nacional em que a maioria dos deputados optaram por rasgar os direitos dos trabalhadores, as mortes nas favelas do Rio de janeiro, em sua maioria de jovens, se repetem como num ritual macabro.
Como convencer um jovem morador de favela do Rio de janeiro, que ir pra escola, ficar dentro de casa e trabalhar são ingredientes que asseguram a sua cidadania e no limite a sua vida?
Diante das mortes violentas dos últimos 15 dias no Rio, qualquer um de nós, se não estiver mal intencionado, terá dificuldades em dialogar com a juventude periférica desta cidade, na perspectiva de convencê-la que ser do “bem” vale a pena.
Maria Eduarda Alves da Conceição, 13 anos, integrante da equipe de vôlei de sua escola, morta no pátio do colégio em Acari. Paulo Henrique Oliveira, 13 anos, estudante, morto dentro de casa no Complexo do Alemão. Felipe Faria Gomes de Souza, 16 anos, estudante, morto com um tiro na cabeça quando procurava se proteger das balas que voavam no Complexo do Alemão. Brendo de Souza e Silva, 21 anos, mototaxista, morto no Jacarezinho. Pra ficar somente com o extermínio desses jovens, sobre os quais não recaía a suspeita de “ligação com o tráfico de drogas”. Afinal, esta tem sido a chave acionada, recorrentemente, para justificar as execuções levadas a cabo pela polícia nas favelas cariocas. Esses jovens acreditavam que “estavam no caminho certo”. Tinham planos e sonhos. A morte repentina e covarde vem pelas mãos do Estado, representado pela polícia, que deveria assegurar-lhes a vida: UPP, BOPE, CORE, CAVEIRÃO.
Por que essas execuções não produzem indignação em toda sociedade carioca? Por que a maioria das pessoas ainda acredita que isso é combate à violência e ao tráfico de drogas? O que permite que, ainda, a maioria dos moradores desta cidade não se posicione em defesa da vida, inclusive dos jovens moradores de favela?
O preconceito em relação às favelas, aos pobres e o racismo introjetados no corpo social carioca são ingredientes que alimentam a permissão para matar.
Atualmente tenho pensado como chacoalhar esta sociedade? Por muitas vezes não entendemos ações extremadas que alhures matam inocentes. Os chamamos de terroristas. Mas, por aqui, também inocentes são aniquilados cotidianamente e o máximo que conseguimos extrair das autoridades é: “são danos colaterais” ou “os policiais estão lidando com oponentes armados com fuzis”, logo, se justifica a morte de pessoas inocentes. Tão grave quanto o ato, é o apoio recebido da maioria desta sociedade. Por mais que reconheçamos que o tráfico está equipado com armamento pesado, nas favelas, a esmagadora maioria de seus moradores está desarmada. E os números do confronto deixam claro quem morre e tratamento que recebem da justiça. Os números desse confronto falam por si: somente até março deste ano foram 304 mortos por intervenção policial no estado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). No mesmo período em 2016, o número era de 173 mortes, ou seja, quase dobrou neste início de ano.
Como acreditar na justiça? Porque jovens pobres, negros, moradores de favelas ou áreas populares periféricas devem acreditar que são portadores de direitos? Enfrentar os preconceitos é um caminho para desconstruir esse autoritarismo social que avaliza e naturaliza as mortes produzidas nas favelas.
Pedro de 10 anos, irmão de Paulo Henrique Oliveira, que foi morto dentro de casa atravessado por uma bala disparada pela polícia, vive o drama familiar da morte violenta do irmão e só consegue pedir para sua mãe “parar de chorar”. A questão é: como cuidar do coração e da cabeça desse menino? Revolta! Perda da inocência! Perda da infância! Que outros sentimentos ele carrega?
Será que a mãe – Michele de Oliveira, 33 anos – reunirá forças para atender ao pedido do filho? Que conselho ou orientação dará para o seu pequeno Pedro: “meu filho, não vá pra rua, fique em casa? Meu filho não se envolva com coisas erradas? Meu filho, respeita o policial? Meu filho, somos cidadãos e temos direitos, meu filho, a justiça é pra todos! Meu filho não seja violento!”. A experiência vivida hoje, vendo o irmão sendo morto dentro de casa e o desespero da mãe, completamente dilacerada, permitirá a ele acreditar nisso? E quando ele tomar conhecimento de que os policiais do 41º BPM encaminharam um abaixo-assinado com um número expressivo de assinaturas solicitando ao governador que os dois policiais que executaram dois homens, já deitados, sejam considerados “Heróis do 41º BPM”? E quando ele descobrir que isso não é um ponto fora da curva mas uma marca da nossa sociedade?
Não há saída individual, não se iludam. Verdade que as favelas e as áreas populares oferecem os corpos disponíveis para depósito de bala de chumbo. Pois não há como se proteger numa sociedade tão desigual. Mas, não há futuro para uma sociedade que tem a violência como valor a ser condecorado.
O que está sendo gestado?