Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Estamos vivendo uma conjuntura de claro avanço de forças conservadoras. Para onde a gente olha, em ritmos e formas diferentes, afirmam-se lideranças com agendas que propõem menos direitos e menos políticas sociais e mais livre mercado e valores que prezam pelo sucesso individual, ou simplesmente menos Estado e democracia e mais mercado. Como corolário, na disputa por corações e mentes e de hegemonia política, defendem políticas repressivas e duras restrições a migrantes e refugiados com defesa de velhos nacionalismos racistas, bem como uma clara intolerância com as e os que lutam pela afirmação do direito civil e político à diversidade. Podem ser lideranças populistas, religiosas ou mesmo claramente autoritárias. Há também os oportunistas, conservadores de ocasião, ontem parecendo progressistas de algum modo.
Na prática, o modo de conquista de hegemonia efetiva muda muito de um país a outro. Para o que se passa no Brasil, temos uma combinação de lideranças religiosas e autoritárias em ascensão, aliadas às oportunistas raposas do PMDB e aos derrotados aliados do PSDB, tendo por trás forças conservadoras do grande negócio privado e de rentistas e patrimonialistas que vivem das tetas do Estado. Sua chegada ao poder foi por ardiloso golpe parlamentar contra a soberania popular que elegeu Dilma Rousseff em 2014. A grande mídia ajudou a despertar sentimentos conservadores e autoritários no seio da sociedade civil, fazendo uso de um discurso moralista contra a corrupção. Na prática, o golpe contou com figuras como Cunha e Renan e um Congresso que se comporta como tropa, que segue a onda, mais preocupada em se salvar do que representar realmente a cidadania. Deu Temer e um governo de homens brancos, velhas raposas políticas, muitas com ficha suja, caindo uma após outra. Mas a agenda conservadora domina o cenário político brasileiro neste momento.
Com seu populismo conservador, Trump atropelou a eleição nos EUA, onde a maioria sistematicamente deixou de votar, mostrando a própria fragilidade do sistema democrático. Mas, o que importa, temos agora na liderança da maior potência imperialista um atropelador machista, racista e xenófobo, com o dedo no gatilho do maior arsenal atômico do mundo e defendendo o velho desenvolvimento, destruidor e poluente, a qualquer custo. Na Inglaterra, o populismo foi vitorioso no plebiscito da saída da União Europeia e caiu o governo anterior por ser… pouco conservador. Na Espanha, depois de um ano de impasse político por falta de hegemonia eleitoral, o PSOE, que fez história como oposição à ditadura de Franco e foi fundamental para o êxito e consolidação da democracia, agora, por ironia, preferiu apoiar a continuidade de um governo extremamente conservador a ter que reconhecer o novo e progressista Podemos e compartir com ele um governo de esquerda. A Itália, atropelada por longos anos sob a truculenta liderança do conservador Berlusconi, após as “Mãos Limpas” (a Lava-Jato italiana), não conseguiu consolidar uma saída progressista ao longo período de desconstrução e retrocesso. O primeiro ministro dos democratas acaba de renunciar e a porta está aberta para novos aventureiros populistas e conservadores. A gente poderia seguir com os casos da África do Sul, Índia, Turquia, Polônia, Rússia, sem falar na China, autoritária além de conservadora
Aqui, pela nossa volta, a onda conservadora está se alastrando muito rapidamente, acabando com o ciclo de governos mais progressistas, ao menos no respeito de direitos e de promoção de políticas sociais inclusivas. Os diferentes governos atuais, com raras exceções, fazem como o Governo Temer: estão afoitamente retomando a agenda da globalização neoliberal, de ajuste estrutural, liberalização e redução do Estado. A nossa PEC de congelamento dos gastos sociais do Estado por vinte anos se inspira no velho decálogo do “Consenso de Washington”, abandonado até pelo Banco Mundial. Enfim, voltamos a por à venda nossos países, o que eles têm de recursos naturais e riquezas acumuladas, especialmente no ainda importante setor de empresas públicas, bem comum da nação inteira.
A destacar neste contexto é a simultaneidade da onda de conservadorismo e crise, do local ao mundial, de Norte a Sul, do Leste ao Oeste. Há situações muito piores do que as aqui lembradas, onde a disputa política já é conflito aberto, verdadeiras guerras, envolvendo até as grandes potências, dado os interesses geopolíticos colocados. Enfim, do ponto de vista político, como ativista da cidadania e radicalmente democrata, estou alarmado com o que está acontecendo no mundo, pois os sinais de barbárie são dominantes. Será que não temos como impedir um novo período de barbárie altamente destrutiva? Mesmo nós, no Brasil, vivemos a nossa barbárie. O que se passa nas favelas do Rio, em São Paulo e nas grandes cidades, com repressão armada e extermínio, em particular de jovens negros, já é sinal de barbárie banalizada. O mesmo é a guerra de extermínio de indígenas e o aumento da violenta repressão e morte de lideranças de quilombolas, posseiros e sem terra. Num debate organizado pela Anistia Internacional, filial Brasil, com a presença de seu Secretário Geral, Salil Shetty, no dia 5 de dezembro, fiquei impressionado pelos depoimentos e análises apresentados por pessoas estudiosas da questão da violência.
A coincidência é também de crise política e crise econômica. Por onde a gente olha é assim. Claro, nem todos são casos de verdadeira falência e calamidade pública, como o que vivemos nos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais ou a Venezuela como país. O que é evidente em todo lugar é a crise da democracia, que perde substância como modo de disputa política e capacidade de gestão. Já passamos daquele ponto de democracia de baixa intensidade. Agora entramos num processo de perda de institucionalidade democrática e, sobretudo, da hegemonia da democracia como valor e opção estratégica de fazer política.
Foi pensando em tudo isto, nos meus fins de semana de retiro voluntário, dando-me tempo para refletir estrategicamente enquanto ativista da cidadania e da democracia de dimensões planetárias (sou ousado no pensar e propor, sem medo de ser chamado sonhador), que percebi o quanto a agenda sobre sustentabilidade da vida e do planeta estão fora do debate no momento. Desde a adoção dos ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – pela Cúpula da ONU, em setembro de 2015, e da agenda acordada na COP-21, em dezembro do mesmo ano, em Paris, parece que, de repente, a mudança climática e a preservação da integridade do planeta nada tem a ver com o momento que vive a humanidade. Mesmo a COP-22, no Marrocos, não conseguiu reverter o quadro. Por que tal sumiço?
Sem dúvida, conservadores em termos políticos e sociais, contra a emancipação social, a valorização da diversidade social e cultural e a participação cidadã para a mudança da política, são também, em geral, contrários às agendas de justiça socioambiental e tudo o que vem sendo proposto para reduzir emissões provocadas pelo predatório sistema econômico que domina o mundo. Conservadores, fortemente implantados no meio empresarial e financeiro, são contra as evidências científicas de mudanças climáticas e das suas causas econômicas, o produtivismo e o consumismo sem limites, puxado por um sistema voltado à livre acumulação pelo mercado, acima de qualquer regulação. A agenda máxima de conservadores ambientalistas poderá ser um renovado capitalismo verde.
O fato relevante é que a questão ficou secundarizada e até esquecida do debate público. A questão ambiental ainda não é uma pauta forte da mídia. Vejamos o caso do Brasil. Questões ambientais acabam sendo importantes quando ocorrem verdadeiros desastres, com grandes impactos. O caso da água nos anos de 2014 e 2015, em toda Região Sudeste, por afetar o abastecimento, veio à tona. Parecia que, finalmente, o país acordava para a água como bem comum fundamental, que merece todo o cuidado, de todo mundo. Como neste ano de 2016 voltou a chover, o problema sumiu do debate, mas de concreto pouco ou nada se fez. A seca no Nordeste, já daquelas monumentais, pois de cinco anos seguidos, torna-se notícia e debate de forma acidental, seja pelo controvertido projeto de transposição do São Francisco, envolvendo empreiteiras e corrupção mais do que a água, seja pelos problemas de abastecimento de carros pipas. Ninguém destaca o fato que as hoje contestadas políticas sociais dos governos petistas fizeram o milagre de permitir mais convivência com a seca, sem fugir dela. O sucesso da ASA – Articulação do Semiárido -, partindo do princípio da convivência e valorização do território como bem comum, não é trazido ao grande debate sobre como tratar nosso diverso, complexo e rico meio ambiente. No outro lado, na Região Sul, as cheias se tornam notícia pelo fato de impactar populações ribeirinhas. Nada de debate ambiental substantivo. Mesmo o fato real do aumento espantoso nos desmatamentos no Centro-Oeste e Amazônia, neste ano de 2016 de Governo Temer, ficou só na constatação. Nenhuma referência ao fato que já nos primeiros dias de governo, ainda provisório, Temer tenha recebido representantes da bancada ruralista e, na ocasião, tenha aceitado as propostas conservadores desta: liberalização da compra de terras para estrangeiros, flexibilização dos licenciamentos ambientais e revisão da política de reconhecimento e regularização de reservas indígenas. Liberou geral, enfim.
Mas, o que se passa no mundo? Precisamos reconhecer que estamos vivendo uma grande disputa geopolítica envolvendo o petróleo e gás. Não vou entrar em detalhes. Por trás da queda de preços do petróleo se trava uma guerra pelo controle das reservas mundiais de energia fóssil. Isto diz respeito a nós também, com as enormes reservas descobertas no pré-sal. A corrupção envolvendo a Petrobras é um detalhe. A verdadeira luta é o sistema de partilha e o papel central da Petrobras na exploração. Afinal, Serra, ainda senador e antes do golpe, foi o autor da lei que tramita no Congresso e muda o sistema, favorecendo as grandes petroleiras do mundo, especialmente as americanas. Agora como ministro de relações exteriores do governo golpista, Serra não esconde as opções geopolíticas no sentido de realinhamento com os EUA e entrega das grandes reservas de petróleo do Brasil. Enfim, a principal fonte de emissões e vilã da mudança climática – a exploração e uso de energias fósseis – são a base do capitalismo e do poder real no mundo. Será que num quadro assim tem espaço uma agenda ambiental de mudança, por mínima que seja? Bem, nem vale a pena falar do nosso ministro do meio ambiente, versão conservadora na questão ambiental brasileira. Daí é que nada de bom virá.
Vamos terminar 2016 tentando esquecer o quanto regredimos em curto espaço de tempo. A tarefa de reverter tal agenda não será dada pela ameaça de mudança climática ou o risco de exploração do patrimônio natural do território do Brasil de forma predatória, como é hoje. Estamos longe, muito longe, de poder questionar o desenvolvimento que temos. Ganha a agenda do crescimento a qualquer custo, mesmo sem democracia. De um ponto de vista da cidadania, temos pela frente uma disputa longa de uma geração para recolocar a democracia como base de transformação do poder e da economia para justiça social e sustentabilidade socioambiental.
Rio de Janeiro, 11/12/2016