Após participar da Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Global, realizada em Paris, dias 22 e 23 de junho, Athayde Motta, diretor do Ibase e membro da diretoria executiva da Abong (Associação Brasileira de ONGs), avalia os resultados do evento e ressalta a participação da sociedade civil brasileira em espaços de debates internacionais. “O Sul global tem muito a dizer em debates sobre os rumos da economia global, especialmente garantindo que os direitos humanos não sejam sobrepostos ou esquecidos” – afirma.
A Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Global reuniu cerca de 100 chefes de Estado, 40 organizações internacionais e 120 ONGs e coalizões de ONGs de todo o mundo. Sobre o futuro, Athayde aponta “O Brasil deverá receber o G20 em 2024 e já há uma grande expectativa que a participação da sociedade civil seja um elemento novo, não apenas por conta do governo Lula 3, mas também pela capacidade das organizações sociais brasileiras. Com os recursos e apoio necessários, as OSCs brasileiras podem pautar temas novos e implantar projetos que apontem soluções para alguns dos principais problemas que afligem a humanidade atualmente”.
Qual sua avaliação sobre a realização da Cúpula por um Novo Pacto Financeiro Global?
AM – Desde seu anúncio, a Cúpula para o NPFG foi criticada por se movimentar à margem do sistema multilateral amplamente reconhecido por todos os países, que é o sistema da Organização das Nações Unidas, a ONU. A iniciativa de um único país – no caso, a França – conclamar o mundo para discutir a arquitetura financeira global pode ser interessante, mas seus resultados dificilmente terão a força política necessária para movimentar as estruturas capazes de tomar decisões substantivas nesse campo.
De qualquer modo, a decisão de incluir centenas de ONGs teve o claro intuito de alertar os organizadores e as principais economias do mundo de que essa discussão precisa ser feita de forma mais ampla e inclusiva e que as organizações da sociedade civil do Sul Global têm importantes reflexões e propostas a fazer.
A proposta de uma taxação global para todos, anunciada na declaração final do encontro, não é vaga demais?
AM – De fato, coisas como “taxação global para todos” não chega a ser uma palavra de ordem de impacto sem um compromisso explícito de atores fundamentais do sistema financeiro global de colocar essa ideia em prática. Mas é importante lembrar que a Cúpula para o NPFG está sendo tratado pelas redes globais da sociedade civil como o primeiro de uma série de eventos que têm relação importante com o tema. Após a Cúpula de Paris estão marcados para acontecer a Cúpula Mundial dos Bancos de Desenvolvimento, também conhecida como Finanças em Comum (FIC), em Cartagena, em setembro de 2023, e a Cúpula do G20 em Nova Déli, em dezembro de 2023.
O que ainda falta para que as OSCs sejam reconhecidas como fundamentais na cooperação internacional?
AM – É importante as OSCs de defesa de direitos brasileiras sejam reconhecidas como legítimos atores da cooperação internacional. Portanto, e como acontece nos países do Norte Global, as políticas de cooperação internacional do governo brasileiro precisam tratar as OSCs brasileiras como parceiras com considerável competência na área. Por outro lado, as agências de cooperação internacional devem apostar na capacidade das OSCs brasileiras de inovar, tanto na sua atuação doméstica como na sua atuação no cenário global. O Brasil deverá receber o G20 em 2024 e já há uma grande expectativa que a participação da sociedade civil seja um elemento novo, não apenas por conta do governo Lula 3, mas também pela capacidade das organizações sociais brasileiras. Com os recursos e apoio necessários, as OSCs brasileiras podem pautar temas novos e implantar projetos que apontem soluções para alguns dos principais problemas que afligem a humanidade atualmente.
Após o governo Bolsonaro, qual a situação das organizações sociais brasileiras?
AM – Os atores sociais que formam a dinâmica sociedade civil brasileira têm permanecido ativos, apesar da repressão que sofreram durante os últimos anos. Para que floresçam ainda mais, precisam de liberdade de atuação e do reconhecimento amplo da sociedade, inclusive do mundo político. Não há democracia sem uma sociedade civil ampla, fortalecida e autônoma. O Estado brasileiro precisa criar mecanismos que permitam que a sociedade civil floresça e faça seu trabalho livremente e com o apoio necessário. Nos últimos 40 anos, há evidências claras de que toda vez em que a sociedade civil brasileira pode atuar livremente e teve os recursos necessários, os resultados foram uma democracia fortalecida e mudanças substantivas da realidade, com diminuição da pobreza e da fome, maior inclusão social e respeito aos direitos humanos dos menos favorecidos.
Que exemplos poderia citar?
AM – Por vários motivos, nem todos conseguem fazer uma conexão entre a Campanha da Fome inaugurada por Betinho (o sociólogo Herbert de Souza) e as políticas de segurança e soberania alimentar e nutricional que tiraram o Brasil do Mapa da Fome da ONU e que chegou a ser exportada pelos governos do PT como parte de suas ações de cooperação internacional com países do Sul Global. Isso vale para outras políticas exemplares, como a de HIV/Aids e infância e adolescência. Essas ações por parte das OSCs de defesa de direitos brasileiras precedem os governos do PT, mas a falta de reconhecimento não as desanima. Ainda hoje, existem projetos em áreas fundamentais como saúde, desenvolvimento sustentável e igualdade racial que têm o potencial de se transformar em políticas públicas transformadoras e exemplares.
O que as ONGs esperam desse terceiro governo Lula?
AM – Esperamos coragem. Sempre lutamos contra as forças conservadoras na sociedade brasileira, mas o que Bolsonaro fez foi tornar a extrema-direita, violenta e fundamentalmente antidemocrática, em um ator político legitimado. No entanto, a maior parte do que a extrema-direita defende no Brasil é crime ou viola direitos fundamentais garantidos na Constituição. Não pode haver dúvidas sobre isso. A extrema-direita brasileira não pode atuar livremente demandando a exclusão, a morte e a derrubada da democracia como uma agenda política aceitável. Esperamos de Lula a coragem de se opor à extrema-direita e anular seu potencial destruidor da democracia.
Fotos: Samuel Tosta/Arquivo Ibase e Ricardo Stuckert/PR/Agência Brasill.