Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase 

Os Jogos Paralímpicos são carregados de densa significação sobre o viver. Uma espécie de jogos sombra das Olimpíadas – aliás, eles nem podem usar o nome, uma marca registrada como propriedade intelectual do COI, que revela a sua contaminação pelo “negócio” dos jogos. Eles celebram a busca do viver, a demonstração de que ser atleta é, acima de tudo, uma atitude diante do que a vida nos dá. Saber viver é acreditar que o impossível pode se tornar possível usando a energia que brota de dentro da gente. Os atletas paralímpicos ampliam enormemente o sentido do viver humano.
Vi a cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos pela televisão. Muita beleza artística e muita emoção transpiraram todo tempo. Quem organizou a festa esteve afiado com o sentido profundo da ocasião. A própria entrada das delegações de quase 170 países foi emocionante. A vibração e a emoção estavam estampadas no rosto dos e das atletas, felizes em demonstrar sua energia diante de limitações físicas que carregam. Havia delegações de um atleta, e até delegações enormes de mais de 200. Foi particularmente emocionante a cena dos pais com as suas filhas ou filhos deficientes, ainda crianças, unidos pelas botas e carregando a bandeira dos Jogos Paralímpicos. Emocionei-me muito com as e os veteranos atletas paralímpicos brasileiros carregando a tocha até acender a pira.
Quero destacar o que disse o presidente do Comitê Paralímpico Internacional. Ele me pareceu um militante do Fórum Social Mundial com uma fala forte sobre sermos, todas e todos, parte da mesma humanidade, sem discriminações. As diferenças entre nós são somente formas do viver a mesma humanidade. Os Jogos Paralímpicos são, na essência, uma demonstração de emancipação e inclusão social, de luta pela igualdade do ser e viver como uma mesma humanidade em sua ampla diversidade. Ser deficiente não é negação de ser humano. Afinal, deficientes são quase 20% da população do planeta. Afinal, o que é normal? 

Não creio que a vaia tenha sido unanimidade entre aquele público,
mas consola ter sido muitos decibéis acima dos possíveis aplausos.

Não posso deixar de registrar a sufocante vaia que ecoou por mais de um minuto quando o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro agradeceu os governos federal, estadual e municipal. Eles estavam lá. O Nuzman teve que esperar para continuar a falar. Não creio que a vaia tenha sido unanimidade entre aquele público, mas consola ter sido muitos decibéis acima dos possíveis aplausos. Para mim, aquele diverso público que lotou o Maracanã demonstrou que os governos no Brasil, na atual conjuntura, estão longe de estarem antenados com o que conta: a vida, o valor da vida, o saber superar limites. No quadro de nossa situação atual, os governos pensam mais em negócios do que na vida, nos comuns da vida. O que se estava celebrando no Maraca era o superar limitações da vida, o saber viver, que não depende tanto assim de negócios, mas de querer, acreditar e ir à luta.

Todas as reivindicações de deficientes são universalizantes e primam pela inclusão social.

Os jogos apenas estão acontecendo. Porém, já dá para sinalizar para as lições que os atletas competindo emitem para toda a sociedade, no Brasil e no mundo. Eles demonstram que a busca de superação de adversidades sempre é possível. É possível ser atleta sendo deficiente, acreditando, treinando e explorando energias que vem de dentro da gente. O fato de chegar aos Jogos Paralímpicos já é uma superação e um exemplo para todo mundo. Ganhar uma medalha é a consagração merecida.
Outra importante lição jogada no nosso colo são as adversidades de ordem prática que criamos em nome de uma restrita concepção de normalidade. A mobilidade é o exemplo mais chocante. Afinal, uma escada não serve para todas e todos, mas a rampa sim. Um elevador ou banheiro adequado inclusive para cadeirantes torna-se mais universal, pois não exclui os e as não cadeirantes. Buracos, carros e obstáculos nas calçadas incomodam a todo mundo, cegos e cadeirantes, idosos e crianças, qualquer um. Enfim, todas as reivindicações de deficientes são universalizantes e primam pela inclusão social. Eles trazem novas visões e dimensões do que são os comuns, os bens coletivos que precisam ser vividos e geridos como comuns, de todas e de todos, sem discriminações.
Lembro aqui as adversidades culturais que os e as deficientes enfrentam, posto que a discriminação é predominante. Elas e eles tendem a não ser vistos como tendo o direito de ter os mesmos direitos de cidadania. A sua diversidade nunca pode ser desculpa para negar a igualdade na comum humanidade, que nos torna, a todas e todos, detentores de direitos e de responsabilidades comuns. As e os atletas paralímpicos demonstram isto com seus corpos, com sua coragem e determinação em viver.
Termino com uma pequena reflexão sobre a “normalidade”. Afinal o que é ser “normal” entre humanos? Ou, pelo oposto, o que é ser “anormal”? Normal é conviver, não importa o quanto diversos sejamos, é a igualdade possível no máximo de diversidade. Anormal é segregar por alguma razão, seja deficiência física, cor da pele, gênero, identidade ou religião e cultura. Normal é compartir com todo mundo o viver, os bens e os saberes, os comuns à vida, onde cada uma e cada um aporta responsavelmente o que pode. Anormal é acumular privadamente as condições de vida, é cercar e reservar para si os comuns, negando às outras e aos outros a mesma base de via. Normal é cuidar: das crianças, idosos, doentes, deficientes, cuidar da família, dos amigos, da vida e de toda a biosfera. Anormal é pensar só em si mesmo, é ser individualista, é perseguir objetivos de realização pessoal contra tudo e contra todos.

Outro amanhã é possível,
mas precisamos acreditar em nossas fortalezas.

Enfim, os Jogos Paralímpicos mexem com o sentido de viver em coletividade. Chegaram em boa hora neste nosso Brasil atravessado por enormes contradições e desafios. Outro amanhã é possível, mas precisamos acreditar em nossas fortalezas. É a mensagem das e dos atletas paralímpicos.

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