Por Iara Moura
Como as mulheres resistem às violências na cidade olímpica? Pensando nessa questão, mulheres de diversos territórios do Rio de Janeiro, se reuniram na tarde de hoje (3), no Largo do São Francisco durante a Jornada de Luta Jogos da Exclusão. A roda de conversa “Resistências e auto-organização das mulheres na cidade”, compartilhou histórias de violência que passam pelo assédio no transporte público, pelas remoções forçadas para dar lugar às obras dos Jogos, pelo genocídio de seus filhos e filhas e pela militarização e avanço da especulação imobiliária sobre os seus territórios.
Jane Camilo, mãe do jovem Jonathan – assassinado pela polícia em 2014 quando tinha 19 anos – se emocionou ao falar da luta contra o extermínio da juventude negra e favelada. “Quando eu falo, eu não falo só pelo meu filho, mas por todas as vítimas desse estado genocida”, desabafou. Jane integra o Fórum Social de Manguinhos e ressalta que a força para transformar sua dor em resistência vem da solidariedade de outras mulheres. “O que me fortalece é saber que eu não tô sozinha. Eu acredito na luta das mulheres”, completa.
Segundo o grupo, além da militarização, outra questão que impacta diretamente a vida das mulheres no Rio olímpico é o avanço da especulação imobiliária. Silvia Baptista, da Rede Carioca de Agricultura Urbana e do Comitê Popular de Mulheres da Zona Oeste, afirmou que o ciclo de megaeventos (Pan, Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas) foi usado como desculpa para o avanço da iniciativa privada sobre os territórios da Zona Oeste, região sede da maior parte das obras olímpicas.
A agricultora denunciou que em Vargem Grande, bairro onde mora, a prefeitura está produzindo um Plano de Estruturação Urbana para a região das Vargens (Vargem Grande, Vargem pequena, Camorim, parte do Recreio e um trecho da Barra e de Jacarepaguá) cujo objetivo final é expulsar os moradores da região e legalizar os empreendimentos imobiliários ali localizados. “O Plano tem avançado na surdina, sem participação popular e a gente sabe a quem interessa tomar o maciço da Pedra Branca e nossas reservas de floresta e de água”, afirmou. Silvia compartilhou ainda que as mulheres têm estado à frente na resistência a esse plano constituindo uma articulação que busca dar visibilidade a esse processo e reafirmar que “aquele é um território onde se estabeleceu nossa parentela, nossos ancestrais antes escravizados. Lá a gente planta flores e frutos, mas também luta. Denuncia e ao mesmo tempo anuncia novas formas de viver”, completou.
Racismo e intolerância religiosa
A Yalorixá Heloísa Helena, Luisinha de Nãnã, teve sua casa, lugar de moradia e expressão religiosa, destruída pela polícia durante uma ação na Vila Autódromo em dezembro de 2015. Para ela, a ação violenta do Estado expressa a um só tempo machismo, racismo e intolerância religiosa. “Eles trataram minha casa espiritual como lixo. Chamaram meus orixás de lixo na minha frente”, contou. Heloísa afirmou ainda que são muitas as armas utilizadas pelo aparato estatal no processo de remoção, dentre elas, a violência psicológica. “Eles deixam a gente cercado de entulho de casas derrubadas, vivendo com ratos, baratas e mosquitos, pra gente sentir que não vale nada. Pra gente se sentir lixo e eles puderem negociar valores menores em troca da nossa moradia”, relatou.
À exemplo de Jane, Heloísa também transformou sua dor em luta e resistência. Ela conta que chegou a agradecer publicamente seus “algozes” porque foi pela dor que ela descobriu a real força. “Descobri também que eu não estava sozinha. As mulheres são uma força vital nesse movimento (de resistência). Agradeço a cada uma aqui, quando olho nos olhos de cada uma e aumento minha espiritualidade”, afirmou.
Por um feminismo de “todes”
Indianara Siqueira ativista trans, presidente do grupo transrevolução e da Casa Nem, ressaltou que os processos de higienização que envolvem a preparação dos megaeventos atingem também fortemente a população em situação de rua e, nesse grupo, especificamente as travestis, transexuais e prostitutas. A ativista defendeu a importância da solidariedade entre as mulhere cis e trans como forma de se fortalecer frente aos avanços da violência na cidade. “É necessário que a gente não aja com a lógica do patriarcado que coloca as mulheres em pé de guerra, mas que a gente reconheça as lutas umas das outras, que a gente reconheça a todas como corpos não conformes, exploradas e oprimidas”, ressaltou.
Propondo alternativas
Além de compartilharem as diversas formas com que a violência do Estado e do capital se manifesta na vida das mulheres no Rio de Janeiro, as participantes também trocaram ideias sobre como resistir e propor alternativas a esta realidade. A constituição de redes de solidariedade, autocuidado e empoderamento das mulheres sobre seus corpos e sua saúde nos mais diversos territórios foi uma das iniciativas apontadas. Além disso, as experiências de produção orgânica em hortas e quintais, as trocas e as novas formas de economia que surgem nas feiras e outras iniciativas de economia solidária, as caravanas que transitam de um território a outro também foram destacadas enquanto práticas de resistência das mulheres que “brotam nas bordas da cidade”, conforme nominou Silvia Baptista.
Em ciranda, enquanto a tarde caía, as mulheres tomaram o Largo do São Francisco. Mãos dadas entoaram: “ao longo dos anos me transformei. Fui santa, fui bruxa, fui puta mas não me calei”.