David Kane
do Maryknoll Office for Global Concerns
Movimentos sociais ao redor do mundo estão se conscientizando sobre os mercados financeiros, porque nas últimas três décadas as mudanças nas normas desses mercados passaram a afetar a vida de cada habitante no planeta.
Os movimentos sociais concentram a sua atuação no que afeta diretamente as comunidades mais pobres, os mercados de commodities, como trigo, milho, soja, café, açúcar, petróleo, gás natural, metais industriais e preciosos. É nesses mercados que especuladores de Wall Street ganham bilhões, enquanto todo mundo paga mais por sua comida e energia.
Como funcionam (ou deveriam funcionar) os mercados de futuros de commodities?
Os preços determinados pelos mercados de commodities, boa parte deles nos Estados Unidos, afetam o quanto pagamos por esses produtos no Brasil e no restante do mundo. Grandes compras de trigo, soja e outras commodities agrícolas sao feitas com o preço do Chicago Mercantile Exchange como referência. A maioria das commodities de energia são vendidas pelos preços da New York Mercantile Exchange. Assim, se os precos sobem em Chicago ou em Nova York, eles também sobem no mundo inteiro.
Esses mercados tem uma função importante para os agricultores e os seus compradores, pois permitem o estabelecimento de um preço fixo para vendas no futuro. Por exemplo, um agricultor de trigo nos EUA planta em abril, mas só vai vender com a safra de agosto. Muitas coisas podem acontecer entre abril e agosto para mudar o preço do trigo. O comprador também corre risco, nesse caso de o preco subir. Fixar um preço ajuda assim o planejamento dos dois. Esses contratos “futuros” são vendidos em Chicago e Nova York.
Os especuladores têm papel relevante nesses mercados. Na falta de outro comprador, o agricultor vende para um especulador, que, dessa forma, garante a “liquidez” aos mercados. Uma alta liquidez significa ter mais pessoas e dinheiro para fazer negócios. A situação nos mercados hoje é de liquidez excessiva.
Depois das crises nos EUA e na Europa na década de 1930, o Congresso norte-americano estabeleceu leis duras para evitar que os especuladores dominassem os mercados de commodities. Foram impostos limites para a especulação com commodities. Além disso, todas as vendas e compras de commodities se dariam em mercados abertos.
Com essas leis, os mercados de commodities funcionaram bem por muitas décadas. Vendedores e compradores de commodities representavam de 70% a 80% do mercado, e os especuladores, 20% e 30% dos mercados. A coisa, no entanto, começou a mudar na década de 1990…
O que mudou no mercado de commodities dos anos 1990 pra cá?
Durante os anos 90, a CFTC, a agência responsável pela regulação dos mercados de commodities, começou a conceder isenções nos limites de especulação para vários bancos e “hedge funds” (fundos privados de investimento). Finalmente, em 2000, o Congresso dos EUAaprovou uma lei que derrubou esses limites de especulação em commodities.
Por alguns anos, isso não foi um problema, pois os investidores estavam ganhando muito dinheiro em outras áreas. Depois, porém, dois fatos resultaram num grande aumento da especulação com comida e energia.
Em 2003, um estudo da AIG, uma grande corporação de seguros, mostrou que nos últimos 50 anos, os preços das commodities tiveram uma tendência contrária a ações e títulos. Por isso, seria vantajoso para os investidores institucionais (fundos de pensões e outros) investir uma parte dos seus recursos em commodities.
Ao mesmo tempo, esses investidores estavam perdendo dinheiro em outros mercados. Quando a Bolsa de Valores de Nova York caiu muito em 2000 e 2001, investidores tiraram dinheiro das ações e colocaram bilhões no mercado imobiliário. Esse monte de dinheiro causou uma bolha especulativa. Quando ela estourou, ocorreu a recente crise economica global.
Foi a partir desses dois fatos, o estudo da AIG e o estouro da bolha imobiliária, que os grandes investidores intitucionais começaram a colocar muito dinheiro em commodities. E foi muito dinheiro mesmo! Em 2003, esses investidores tinham US$ 13 bilhões em commodities. Em março de 2008, US$ 260 bilhões! A grande onda aumentou o preço das 25 principais commodities para uma média de 183% naqueles cinco anos. Em março de 2011, investidores institucionais tiveram um recorde US$ 412 bilhões. Por isso os preços de petróleo e comida continuam tão altos.
Hoje em dia, especuladores compõem 70% a 80% dos mercados de commodities, enquanto usuários genuínos (agricultores e fornecedores) não passam da faixa de 30%. O resultado é que os preços estão sendo determinados não pelas condições da oferta e procura, mas pelos banqueiros e gestores de fundos de pensão.
Investidores institucionais são especialmente nocivos, pois não agem como especuladores tradicionais, que compram commodities quando pensam que o preço vai subir e vendem quando acham que vai baixar. Investidores institutionais quase sempre compram um “índice” de commodities, quer dizer, uma cesta de várias commodities, apostando que os preços de todas vão subir a longo prazo, e seguram essa aposta por vários anos, como se fosse uma ação ou título.
A consequência desse tipo de investimento é uma tendência de aumentdo de todos os preços. Também significa que, quando esse investidores decidem retirar ao mesmo tempo os seus investimentos, como fizeram no final de 2008, os preços despencam.
A luta nos EUA e na Europa
Nos EUA, uma grande aliança se formou para enfrentar a especulação excessiva. Mais de 450 organizações, incluindo sindicatos, agricultores, entidades religiosas, grupos de consumidores, se juntaram e conseguiram influenciar a lei sobre reforma financeira, o Ato de Reforma de Wall Street e Proteção ao Consumidor. Esta lei, que passou em julho de 2010, incluiu mudanças nos mercados de commodities e mandou a CFTC colocar limites na especulação. Foi uma grande vitória da sociedade civil.
Infelizmente, a CFTC anunciou recentemente que só vai implementar as novas leis no final de 2011. Enquanto isso, populações não podem comprar alimentos, e os grandes banqueiros enriquecem.
A Comissão Europeia está considerando leis similares, e movimentos europeus pressionam para garantir que essas leis sejam rigorosas.
O papel do Brasil
É no G20 que o Brasil pode ter muita influência. O país tem o maior mercado de futuros da América Latina, e neste mercado há limites de especulação. A Índia também tem mercados com fortes limites de especulação e muita transparência. A experiência desses dois países pode ser usada para mostrar que os limites em especulação resultam em mercados mais estáveis.
No governo brasileiro, há opiniões diferentes sobre o perigo da especulação. Wagner Rossi, ministro da Agricultura, pensa que a especulação não é um problema, enquanto o ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, acha que ela deve ser considerada. A pressão dos movimentos sociais pode garantir que a visão de Florence prevaleça.
Em 2011, a França está na Presidência do G20 e quer usar a posição para implementar reformas de estabilização de preços de comida e energia no mundo. Diminuir a especulação excessiva é uma parte importante dessas reformas. O Brasil pode ter um papel chave nos debates entre os países do G20 sobre a especulação. Pressão dos movimentos brasileiros pode ajudar nisso.
Está na hora de a gente se mobilizar
Faz todo o sentido os movimentos sociais iniciarem um trabalho sobre as commodities, pois isso está afetando diretamente a capacidade de o povo se alimentar. Se às vezes assuntos financeiros, como regulamentos de bancos, seguros e contabilidade, podem parecer pouco importantes, são nessas áreas que o grande capital tem avançado e crescido.
Precisamos nos informar em cursos e seminários, criar materiais didáticos e promover mobilizações para educar o público em geral. Não podemos permitir que os grandes banqueiros sejam os únicos que entendam de finanças.
Está na hora de colocar as mãos na massa. Vamos parar o grande capital mais uma vez com a nossa inteligência e criatividade.
Comentário 1
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Pascoal
25 de agosto de 2011É incrível como o sistema financeiro quer ocupar a nossa vida como se fosse o ar que respiramos. Depender do “sabor” dos banqueiros, que agora investem em alimentos, que por sua vez ficam mais caros, é o fim da picada. Portanto, concordo com o autor e proponho que isto seja discutido em conferências, seminários…