Leia abaixo artigo de Cândido Grzybowski, sociólogo e diretor do Ibase, sobre os 30 anos da entidade e seus desafios futuros.

—–

O Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase, neste 2011, completa 30 anos. Curta história em termos de sociedade, mas muito para a geração que fundou o Ibase. O Ibase foi imaginado no exílio por Betinho e companheiros e fundado após a Anistia. Na verdade, ele é uma entre tantas organizações de cidadania ativa que se gestaram na luta contra a ditadura e pela democratização. São por isto um pedacinho da história recente do Brasil. O Ibase é sonho e projeto compartilhado por muitos deste o nascimento, no começo dos 80 do século passado. A fundação de tais organizações pelos anistiados, que então voltavam ao Brasil, marcou uma mudança de estratégia deles na luta pelo grande sonho de igualdade e justiça social – um dos grandes princípios éticos mobilizadores dos últimos três séculos – deixando de lado a ideia de conquista do Estado e apostando na construção de uma sociedade civil democrática entre nós. Significava, por isto, a sintonia fina dos exilados com o que se passava no interior do Brasil. O final do 70 e o início dos anos 80 se gestou uma grande revolução democrática no Brasil – ou alguém duvida que tenha sido? – com a emergência de novos sujeitos políticos, da entranha da própria sociedade, demandando direitos, justiça e participação, além da Anistia e do fim da ditadura. A ditadura acabou e temos bases democráticas para a disputa, ainda frustrantes em muitos aspectos. Mas quanto coisa mudou, além de nosso próprio sonho e horizonte!

A opção pela democracia está no DNA do Ibase, como de todas as organizações coirmãs. Não vou lembrar aqui as memoráveis jornadas democráticas, das Diretas Já até hoje, que contaram com a contribuição estratégica destas pequenas organizações. Afinal, elas não prestam serviços, não dão assistência aos desvalidos no sentido tradicional, não são organizações de consultoria, nem acadêmicas, não pertencem a partidos, não são estatais, muito menos privadas, não visam lucro, não são religiosas. São simplesmente organizações de cidadania ativa. Defendem causas de cidadania com argumentos éticos e fundamentados, sua legitimidade. São organizações onde a razão de ser não é um interesse privado ou de um grupo, mas a causa da cidadania e da democracia, do local ao mundial, inspirando-se nos grandes princípios e valores da igualdade, liberdade, diversidade, solidariedade e participação, fundantes da própria democracia como Betinho escreveu tantas vezes.

Vale a pena se debruçar na intrigante questão sobre o que significam organizações de cidadania ativa, como o Ibase, para a sociedade brasileira e mundial hoje. Uma tal reflexão é oportuna nos 30 Anos do Ibase, pois se refere a muitas organizações, muitos gestores de políticas governamentais, legisladores, juízes, empresas. Para começar, é fundamental estabelecer que a condição de existência de organizações de cidadania ativa é a total autonomia, tanto em relação ao Estado, como a empresas, a partidos e a igrejas, em relação a este ou aquele sujeito coletivo, por mais forte que seja. Aliás, uma opção preferencial de tais organizações são os excluídos e os sem identidade e voz, bem como o combate ao machismo, ao racismo e à homofobia. Elas se definem e buscam ser simplesmente organizações cidadãs.

Tais organizações funcionam como pequenas pulgas, quase invisíveis, pois seu papel fundamental é incomodar e fazer as coisas andarem, como a mordida de pulga, apesar de sua pequenez, incomodar e fazer até um elefante se coçar. Por não agir em benefício próprio, seja de uma facção ou igreja, seja de um grupo social, mas pelo interesse público e comum da cidadania, são organizações que em rede cumprem um fundamental papel de vigilância e radicalização da democracia. Sua referência são direitos e não privilégios, espaço e bem público e não o interesse privado individual ou de um grupo social, democratização – no sentido de gestão por todos do bem comum – e não a estatização ou a privatização.

No Brasil dos últimos anos, criou-se uma criminalização genérica das ONGs. São ONGs tanto entidades fantasmas de mulher de prefeito, entidades de deputados para manter cativas suas bases sociais e muitas organizações oportunistas criadas unicamente para acesso a recursos públicos (na falta de regulamentação adequada, este conjunto cresceu exponencialmente nos últimos anos), como organizações de cidadania ativa que nada tem a ver com isto, pelo contrário, estão na frente da luta contra este tipo de práticas. Uma tal generalização acabou pondo em questão organizações de cidadania ativa voltadas à promoção dos direitos e da cidadania, à radicalização da democracia, de denúncia da globalização conduzida por grandes corporações e clamando por “outros mundos possíveis”, de pressão política para mudar de rumo diante da eminência da destruição ambiental, ela como nova forma de injustiça social e, mais, de destruição da natureza e da própria vida. Segundo dados do IBGE, seriam mais de 350 mil organizações, considerando todos os tipos de organizações não lucrativas. Aí dentro, organizações de cidadania ativa não chegam a 1 mil (menos de 0,35% do total), onde umas 350 são formalmente membros da ABONG – Associação Brasileira de ONGs.

O momento é de pausa, reflexão e revisão de rumos futuros. É o que o Ibase propõe com o Mês Ibase 30 Anos. Avaliemos juntos se uma organização como o Ibase, que se constituiu em nodo de extensa rede, do local ao mundial, irradiando para fora questões de cidadania e democracia do Brasil e trazendo para dentro questões da cidadania planetária para a sociedade civil brasileira, tem um papel estratégico diante dos desafios de hoje. Afinal, nascido numa onda de cidadania, 30 anos atrás, inspirado no legado do Betinho, um de seus fundadores, o Ibase ainda é estrategicamente importante? Para a necessária nova onda democratizadora, que ensaia emergir entre nós, com sua demanda de democracia mais radical, mais inclusiva, ao mesmo tempo que redefinindo os termos do desenvolvimento brasileiro – sem exclusão social e sem destruição ambiental –, que Ibase é necessário?

Comentário 1

  1. Luiz Alberto WANDERLEY
    10 de agosto de 2011

    Há MISSÕES da maior importância e urgência que demandam ARTICULAÇÃO, RECURSOS e INICIATIVAS do IBASE.
    Há um grande clamor contra a iniqüidade social que as crises de 2008 em diante estão provocando. Foram os grandes executivos do segmento financeiro que geraram e lucraram, mas são os trabalhadores, estudantes e aposentados que estão sendo sacrificados para pagar a conta, para cobrir o buraco. Ganharam sozinhos os bônus, as gratificações decorrentes de lucros artificiais e irresponsavelmente conseguidos, mas NADA pagam por isto, quem não teve NENHUMA participação nestas irresponsabilidades é que está sofrendo com cortes de Programas Sociais, com aumento do desemprego entre os jovens, com redução de salários e de aposentadorias. Rejeitam SEMPRE a regulamentação do Estado, mas o socorro para evitar a quebra do Sistema veio do Estado, veio da Sociedade como um todo.
    É preciso criar um Fundo de Responsabilidade Gerencial, onde no mínimo 50% dos bônus e gratificações recebidos ficariam aplicados por 4 anos, se descobertas irresponsabilidades como as que aconteceram com derivativos e hipotecas sabidamente podres, os valores reverteriam para Programas Sociais. Haveria assim, compulsoriamente, maior responsabilidade dos Executivos, dos Administradores.
    É uma Bandeira local e internacional para o IBASE ARTICULAR, busque apoio financeiro e da Sociedade, de ONGs da População, de contribuintes. Operacionalmente o Capitalismo pode ser muito eficiente, mas sem fortes contrapartidas gera INIQUIDADES CLAMOROSAS! É uma LUTA que devemos LUTAR com estratégia e empenho para um Mundo mais justo e harmônico.

Não são permitidos comentários.

Tradução »