Por Patrícia Lânes
do Ibase
Os últimos meses têm sido férteis em dinâmicas de mobilização social. Motivadas por convites que chegam pelas redes sociais e similares, muitas pessoas, nem sempre engajadas anteriormente, têm tomado ruas, praças, espaços públicos e privados em nome das mais diversas causas no Brasil e fora dele.
Para ficar apenas com o Rio de Janeiro, onde vivo e tenho tido a oportunidade de acompanhar mais de perto tais movimentações, entre maio e junho aconteceram dezenas de mobilizações. Entre elas, amplas manifestações populares por melhores salários para os bombeiros e também pela anistia daqueles que foram presos por ocuparem um quartel (leia artigo sobre o tema); as passeatas pela legalização da maconha e pela liberdade de expressão; caminhadas por melhores condições de trabalho de professores e profissionais da educação e pela educação pública; os “mamaços”, ações em que mães amamentam publicamente seus filhos para protestar contra o preconceito e a proibição de tal prática; manifestações pelo respeito à diversidade e aos direitos dos homossexuais; as “marchas das vadias”, versão nacional da SlutWalk, que começou em Toronto, no Canadá, após um policial falar durante palestra que para evitar estupros as jovens não deveriam se vestir como vadias; além dos protestos contra o novo Código Florestal e a usina de Belo Monte.
Os exemplos mostram que o fenômeno das manifestações públicas, também articuladas via internet, não se restringe a certas temáticas ou setores da sociedade, muito menos aos movimentos sociais ou à sociedade civil organizada.
No caso do protesto dos bombeiros, que teve no Rio de Janeiro enorme adesão popular, a passeata do domingo, 12 de junho, levou mais de 30 mil pessoas à Praia de Copacabana. Os mamaços, em diferentes cidades, reuniram muito menos gente (cerca de cem em cada um, segundo as organizadoras), mas também conseguiram impactar além das redes sociais. Na verdade, parece ser disso que se trata. Para além dos graus de adesão e de conquistas objetivas de tais mobilizações, elas ajudam a pautar temas no debate público, explicitam conflitos e divergências, o que contribui para expandir a democracia para além dos processos e espaços de participação legítimos e importantes, vinculados diretamente ao poder público, como conferências e conselhos.
O caráter mais ou menos espontâneo de tais manifestações provoca algumas reflexões. É possível pensar que nossa sociedade está cada vez mais conservadora e, por esse motivo, faz-se necessário que setores mais progressistas pressionem no sentido contrário, evidenciando a salutar falta de consenso sobre muitos temas e clamando pela garantia de direitos variados. Acredito que essa reflexão não é de todo falsa, mas também que, pelo processo de ampliação da democracia, mais vozes dissonantes se sentem cada vez mais à vontade para se fazer ouvir, tanto do lado dos conservadores, quanto do lado dos progressistas. Na minha opinião, esse é o ponto fundamental desse debate.
Ao mesmo tempo que é inegável o fato de a manifestação pública ser uma conquista recente que é preciso sempre defender (vide o caso da Marcha da Maconha, proibida em diversos estados e posteriormente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal), as novas tecnologias da informação, usadas principalmente pela juventude, apesar de não resolverem nada sozinhas, estão ajudando a conformar as dinâmicas de mobilização social que vivenciamos agora. A conexão entre lutas geograficamente difusas (muito evidente desde o início dos anos 2000, com os protestos de Seattle, o Fórum Social Mundial e etc.) permite que agendas locais sejam reapropriadas por outros atores, fortalecendo reivindicações, como foi o caso da “importação” do Canadá da Marcha das Vadias. São sinais de que determinadas agendas locais não são tão locais assim. Ganham novos sentidos em outros países, se relacionando de diferentes maneiras a realidades locais.
Para além da transnacionalização de lutas, essas novas conexões permitem acessar informações que, há pouco, levávamos muito tempo para conhecer e, quando conhecíamos, era pela visão dos grandes meios de comunicação ou pelo trabalho de mídias alternativas, que também ganham nova centralidade com a internet. A facilidade para a articulação e troca de informações é sem precedentes. O fato de a internet conseguir chegar a cada vez mais lugares e pessoas eleva exponencialmente a capacidade de temas ultrapassarem fronteiras e especificidades.
Não desconhecemos o acesso profundamemte desigual à internet, em especial no Brasil. E desigual em muitos sentidos. As novas gerações têm um acesso muito mais significativo à rede. De acordo com a pesquisa “Juventudes Sul-americanas”, realizada por Ibase e Pólis, com apoio do IDRC, entre 2008 e 2009 em seis países da região, o acesso dos jovens à internet era mais do que o dobro do acesso dos adultos (no caso no Brasil, 50% dos jovens acessavam a internet, enquanto entre os adultos esse percentual era 21%). Essa mesma pesquisa (e muitas outras) apontam também que, dentro de uma mesma geração, o acesso é muito diferenciado entre campo e cidade, entre ricos e pobres, entre negros e brancos, entre os menos e os mais escolarizados.
Pesquisa divulgada na última semana e realizada pela Box1824 e o DataFolha sobre os sonhos dos jovens brasileiros indica que 71% acreditam que a internet é o meio preferencial para se fazer política. Talvez não apenas ela. Como vimos nas últimas semanas, os ecos da rede estão em todos os lugares. Um deles se deu na semana passada com a realização de um tuitaço em prol do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) e contra benefícios para as empresas de telecomunicações na gestão da banda larga.
De acordo com moção lançada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), que tem o PNBL entre suas prioridades para 2011, trata-se de “instrumento imprescindível para a democratização do acesso à internet em alta velocidade em todas as regiões
brasileiras, regulada por demandas sociais de universalização e efetivação do direito humano à comunicação” que tramita no congresso. A luta pela democratização do acesso à internet aparece como parte do direito de ouvir e se fazer ouvido. Como consta na moção do Conjuve, a participação política da juventude também passa hoje pela web mas, como visto anteriormente, não se restringe a ela.
Se sempre foi fundamental colocar o bloco na rua, hoje em dia, mais do que nunca, é urgente compreender os vínculos entre as práticas individuais cotidianas – dentre elas os usos da internet e das redes sociais por parcelas da população –, e o agir coletivo que está tomando praças, ruas, prédios públicos aqui, no Chile, no Canadá, na Espanha, no Egito. Em tempos de novas combinações entre militância e comunicação, nem a rede, nem a rua são o limite. Mas continua sendo fundamental lutar por elas.