Rogério Daflon
Do Canal Ibase
Na primeira audiência pública da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que discute o projeto de lei do Novo Código da Mineração, uma mesa formada por movimentos sociais, empresários e governo federal, além de parlamentares, chegou a um consenso: o regime de urgência para a votação do projeto é algo em qualquer propósito. Não há como aprovar um novo código sobre o qual o governo federal só havia discutido com as grandes empresas do setor mineral, em detrimento da sociedade civil e das pequenas empresas do segmento. Carlos Bittencourt, pesquisador do Ibase, falou em nome do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, numa mesa realizada no dia 19 de agosto, em que os empresários eram maioria na Federação das Indústria do Estado do Rio Janeiro (Firjan). Nesta entrevista, ele explica os problemas do projeto de lei e afirma que, em alguns pontos, ele é mais retrógrado do que o atual Código da Mineração, formulado em 1967, em plena ditadura militar.
Canal Ibase: Qual é o tamanho do setor mineral hoje?
Carlos Bittencourt: Desde 2009, sem o saldo positivo da balança comercial da mineração, a balança comercial brasileira seria deficitária. O saldo do setor mineral tem sido maior do que o saldo total do comércio brasileiro. Como a mineração é uma atividade material, movimenta uma grande massa de recursos naturais para existir. O crescimento da mineração significa um crescimento também sobre os territórios e consequentemente sobre as comunidades e o meio ambiente.
Canal Ibase: Quais são esses impactos?
Carlos Bittencourt: Um dos mais notáveis é o impacto sobre a água. A mineração consome quantidades gigantescas de água. Em 2012, foram mais de cinco quatrilhões de litros de água, o equivalente ao consumo de oito cidades do Rio de Janeiro. Além disso, a mineração é uma das atividades econômicas que mais poluem as águas superficiais e subterrâneas no Brasil. Outros dois impactos importantes dizem respeito aos trabalhadores do setor, já que a mineração é dos segmentos que mais mata, mutila e enlouquece no país. E a mineração vem removendo famílias e afetando os modos de vida de diversas comunidades atingidas por sua logística.
Canal Ibase: Como o projeto de lei trata dessas questões?
Carlos Bittencourt: Por incrível que pareça, a proposta apresentada pelo governo federal ao Legislativo representa um retrocesso quanto a esses pontos na comparação com o atual código apresentando em 1967, em plena ditadura militar. Se neste código de um tempo de exceção, em seu artigo 54, se condicionava a atividade mineradora à responsabilidade sobre os usos da água e ao impacto de vizinhança e ao dano e prejuízo causados a terceiros, no atual projeto de lei não há sequer menção a esses temas. Nesse aspecto, o governo Castello Branco se mostrava mais progressista do que o atual governo federal.
Canal Ibase: A proposta do novo código então é essencialmente voltada para o negócio da mineração?
Carlos Bittencourt: Sim. A omissão quanto a esses pontos revela uma visão que trata a mineração exclusivamente como uma atividade econômica, como se ela ocorresse num espaço vazio, sem pessoas, comunidades, natureza.
Canal Ibase: Isso tem a ver com o lobby do segmento?
Carlos Bittencourt: Certamente. Em estudo realizado pelo Ibase (“Quem é quem nas discussões do novo código da mineração“) fica claro que as empresas investem alto na sua relação com as instituições políticas brasileiras. Só as principais empresas do setor, como a Vale, CSN e Anglo-America, somadas, doaram mais de R$ 17 milhões nas eleições de 2010. Não à toa, um dos principais beneficiados por essas doações são nada menos que o presidente (deputado federal Gabriel Guimarães-PT/MG) e o relator Leonardo Quintão (PMDB-MG) da Comissão Especial, que tiveram campanhas de R$ 3 milhões e R$ 2 milhões e receberam cerca de 20% das empresas mineradoras.