Por Oswaldo Braga de Souza
texto originalmente publicado no site do Instituto Socio Ambiental
Os destaques ao relatório de Jorge Viana (PT-AC) sobre a reforma do Código Florestal foram votados ontem na CMA (Comissão de Meio Ambiente) do Senado.
Foi aprovado um requerimento de urgência para a proposta. Assim, ela segue para o plenário e, se o requerimento for acolhido pelos senadores, pode ser votada na semana que vem, provavelmente a partir de quarta, com prioridade sobre outras matérias. Com a pressão exercida pela bancada ruralista, o pedido de urgência deverá ser aprovado.
O relatório havia sido aprovado na CMA na quarta (23/11), com apenas um voto contrário (saiba mais). Apesar de apresentar avanços em relação ao texto votado pela Câmara, a redação final mantém anistias ao desmatamento e a redução de áreas protegidas em propriedades rurais. Governo e ruralistas disseram-se satisfeitos com o resultado.
Mesmo tendo mantido em seu parecer o dispositivo que legaliza desmatamentos irregulares ocorridos até julho de 2008 (a última alteração da legislação ocorreu em 1996), Viana manteve-se afinado com o discurso ruralista e do relator da matéria na Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), de que a reforma não permite anistias e não reduz APPs (Áreas de Preservação Permanente) e RLs (Reservas Legais).
“Eu não poria minha assinatura nesse Código, por tudo que já vivi no Acre e que aprendi, por tudo que já vivi com meus colegas senadores, e o senador Luiz Henrique também não poria, se nós estivéssemos fazendo anistia”, afirmou Viana. No final da sessão da CMA, emocionado, ele disse que estava com a consciência tranquila e que tem orgulho de seu relatório.
“Temos uma Lei de 1998 que diz que ocupação em APP e desmatamento é crime. A Constituição afirma que o dano ambiental tem de ser reparado. A proposta aprovada diz que o dano deve ser reparado apenas em alguns casos e parcialmente. Essa flexibilização é anistia. Portanto, o texto mantém, sim, a anistia”, contrapõe André Lima, assessor do Ipam (Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia) e consultor da SOS Mata Atlântica.
Durante a votação dos destaques, representantes da RMA (Rede de ONGs da Mata Atlântica) foram retirados da sala por determinação do presidente da CMA, Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), por protestarem com palavras de ordem contra o relator da matéria em outras comissões, Luiz Henrique (PMDB-SC). O grupo queria entregar ao parlamentar o Prêmio Motoserra.
Ameaças
De quarta para ontem, mais concessões foram feitas aos ruralistas. Foi retirado um dos poucos mecanismos inseridos no texto por Viana com previsão de recursos para a recuperação florestal (1% da receita de empresas de abastecimento de água e do setor elétrico). Foi mantida para esse fim a taxa de 30% dos recursos arrecadados sobre uso da água. A receita potencial, no entanto, é bem menor do que a prevista pelo dispositivo excluído.
Além disso, foi mantida apenas determinação de que o governo envie ao Congresso um projeto para instituir um programa de estímulo ao reflorestamento. Na prática, portanto, ao contrário do afirmado pelos relatores, o projeto aprovado ainda não caminha na direção de instituir uma política de incentivos econômicos para a conservação.
Crédito: Jose Cruz/ABr. Mesmo do lado de fora da sala da CMA, protesto chamou a atenção dos senadores. Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) pediu moderação no trato dos manifestantes enquanto Aloysio Nunes (PSDB-SP) defendeu seguranças do Senado. |
Sem nenhuma sinalização do governo sob
Sem nenhuma sinalização do governo sobre qual posição assumirá em plenário, outras ameaças de retrocesso continuam pairando sobre a proposta.
Segundo acordo costurado por Agripino Maia (DEM-RN) e Eunício Oliveira (PMDB-CE), o senador Luiz Henrique apresentará emenda para transformar a aquicultura numa atividade de “interesse social”, abrindo caminho para legalizar futuros desmatamentos em mangues.
Outras emendas ruralistas foram rejeitadas por Viana, mas poderão ser reapresentas no plenário. Uma proposta do vice-líder do governo Acir Gurgarcz (PDT-RO) prevê um percentual máximo de 20% da propriedade que poderá ser alvo de recomposição de APPs. Já o líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR) defende que um limite mínimo de 20% do território dos estados da Amazônia possa ser desmatado.
Desinteresse do governo
Desde a Câmara, a tramitação da reforma do Código Florestal foi marcada pelo desinteresse do governo em articular sua base para apoiar propostas favoráveis à conservação e pela estratégia ruralista de reduzir o espaço para o debate.
Na CMA, não foi diferente. Embora tenham sido apresentadas mais de 200 emendas, Jorge Viana elaborou seu parecer em pouco menos de uma semana. O texto foi lido e aprovado em apenas 48 horas.
No relatório de Viana, para fins de recuperação, as APPs de nascentes, fundamentais ao abastecimento de água, foram reduzidas de 50 metros para 30 metros.
Também para fins de recuperação, os limites das APPs de rios foram reduzidos para no mínimo 15 metros e no máximo 100 metros. Hoje, a lei define parâmetros que vão de 30 metros a 500 metros.
“As águas brasileiras estão desprotegidas com esse texto. Cientistas, comitês de bacia e a Agência Nacional de Águas foram unânimes em alertar que era necessário recompor pelo menos 30 metros nas APPs de beira de rio”, explicou Raul do Valle, coordenador adjunto de Política e Direito Socioambiental do ISA. “O texto é melhor do que o que veio da Câmara, mas ele continua muito aquém do que precisamos para proteger florestas e rios. A proposta premia quem descumpriu a lei e penaliza quem a cumpriu.”
Foi incluída no texto a possibilidade de que atividades agropecuárias sejam desenvolvidas em encostas que tenham entre 25º e 45º de inclinação, áreas consideradas vulneráveis a desmoronamentos.
Outro dispositivo aprovado obriga a redução da RL de 80% para 50% da propriedade, autorizando novos desmatamentos, em estados da Amazônia Legal em que a soma de Terras Indígenas e Unidades de Conservação alcançar 65% do território, independente do que definir o ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico).