O relato abaixo é de Vanessa Zettler, publicado originalmente no blog Ocupa Brasil. Vanessa está na ocupação em Nova York desde os primeiros dias do movimento, que começou em 17 de setembro, com aproximadamente 5 mil manifestantes protestando contra o sistema financeiro capitalista.


“Somos os 99%”, referência ao percentual da população controlada pelo 1%, a elite financeira global.
Crédito: Paul Stein/Flickr
.

Em pouco menos de um mês de ocupação, o movimento serviu como inspiração para uma manifestação global, marcada para o dia 15 de outubro. Aqui no Brasil, o Ocupa Rio, acampamento pacifíco na Cinelândia, está acontecendo desde o dia 22 de outubro. Veja aqui vídeos feitos pelos participantes.
Confira a seguir o texto de Vanessa Zettler.
 
Por fora, temos um saldo positivo jamais imaginado. De acordo com jornais locais, 67% da população de Nova York manifesta aprovação ao que estamos fazendo. Ocupações se reproduzem pelo mundo inteiro. O país inteiro está discutindo o porquê de essa gente estar indignada. Estamos no parque, temos enorme estrutura, agora contando com as tão esperadas barracas, que finalmente nos protegem da chuva e do frio, e a polícia de NY nem se atreve mais a tentar removê-las.
Por que então, internamente o dia de ontem pareceu de pessimismo?
A cozinha e a estação de conforto ameaçaram cancelar suas atividades durante 3 dias, em resposta a um potencial descontrole sobre a ocupação.
Foi um dia de questionamento e debate, cujas respostas ainda não encontramos.
O tamanho da Liberty Plaza quase não comporta mais a quantidade de pessoas que frequentam ela cotidianamente. Entre turistas e curiosos, a atual preocupação é sobre quem são as pessoas que estão usufruindo dessa estrutura mas sem compromisso nenhum com a manutenção dela. Sinceramente, são muitas.
Outro problema que desmoraliza o grupo cada dia mais é a quantidade de roubos e brigas (até agora verbais) que estão ocorrendo na praça. Onde antes nos sentíamos em casa, agora mal posso dormir com a certeza de que na manhã encontrarei meus sapatos (da última vez, eles foram roubados!). Outro caso vergonhoso que assisti ontem foi quando o repórter do canal “Press TV”, ao mesmo tempo em que fazia uma cobertura super favorável à nossa causa, teve sua mala roubada com seu laptop dentro.
Sim, internamente, estamos diante de um grande desafio: como lidar com estes problemas que são resultado deste mundo que queremos mudar?
As últimas ocorrências na Liberty Plaza refletem a sociedade em que vivemos, e não a que o OWS criou. Já antecipo a cobertura que a grande mídia já começa a fazer destes casos, citando coisas como “OWS não dá conta nem de sua própria casa”, ou que estamos apenas reproduzindo a lógica que domina lá fora. A estrutura convidativa e aberta da ocupação sempre permitiu que qualquer um participasse, da maneira que quisesse. Isso é um processo inclusivo.
Recebemos na praça pessoas de diferentes caminhadas de vida, e uma grande parte delas vieram de uma caminhada de exclusão. Essa exclusão provoca paradoxos que temos que enfrentar a cada dia das nossas vidas. Quem disse que não enfrentaríamos isso Wall Street? Ontem ao dar uma entrevista de 2 minutos para a Press TV sobre esse caso, não tive tempo de expor todo este pensamento, saiu na TV ao vivo para a Europa inteira apenas a nossa preocupação com a praça. Mas esta praça existe para escancarar o mundo em que vivemos, e esta situação insegura e desconfiada é um importante aspecto dele. Que o mundo inteiro saiba e se responsabilize.
 
Leia também:
A tinta vermelha
O difícil parto de um novo paradigma
O tempo em que podemos mudar o mundo

Tradução »