Sandra Jouan
Coordenadora do Ibase
A luta pelo voto feminino durou mais de 100 anos. Mesmo diante do histórico combate travado pelo ativismo das mulheres, essa garantia cidadã não foi assegurada ao longo do processo democrático e, somente no final do século XIX e início do XX, foi dada permissão para a mulher votar. Aliás, ainda nos tempos atuais esse exercício em alguns países ainda não é permitido. No Brasil a diferença entre a possibilidade de voto para homens e mulheres é de mais de um século.
Por aqui, o voto feminino só foi alcançado através do Código Eleitoral Brasileiro de 1932, assinado pelo Presidente Getúlio Vargas que, entre outras reformas no sistema eleitoral, incluiu a adoção do voto secreto, o sistema de representação proporcional e o reconhecimento dos direitos políticos das mulheres brasileiras.
Muitos avanços e recuos desde 1932 marcaram as nossas vidas para a eliminação de todas as formas de discriminação à participação feminina no cenário público e privado. Entre elas, destacam-se a Convenção da ONU em 1979 e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, no ano de 1995, em Beijing, que culminou com uma plataforma de ação para os países signatários, dentre eles o Brasil, sobre a necessária participação ativa das mulheres em todas as dimensões da vida, afirmando que a paridade nos espaços sociais, políticos e econômicos passa necessariamente por garantir que as responsabilidades do lar, do trabalho e da sociedade sejam compartilhadas.
A participação feminina na política no Brasil começou a ganhar espaço em 1955. Foi neste ano que a Lei nº 9.100 estabeleceu as normas para realização das eleições municipais subsequentes determinando uma cota mínima de 20% para as mulheres, firmando a obrigatoriedade do preenchimento de vagas na chapa eleitoral. No entanto, o que ficava definido era exclusivamente o espaço na lista e um percentual mínimo, sem contudo tratar de recursos para campanha, de tempo de propaganda na televisão ou de medidas para garantir a igualdade de oportunidades na disputa. Este dispositivo foi revisado em 1997, quando definiu como política de cotas a reserva de vagas, ainda sem obrigar os partidos a preencher as vagas com candidatas mulheres mas apenas reservá-las.
Em 2009 o Congresso Nacional aprovou a minirreforma eleitoral e, pela nova lei, os partidos foram obrigados a preencher 30% das vagas em eleições proporcionais com candidatos de um dos sexos. Não seria mais possível apenas reservar, nem deixar vagas vazias. O preenchimento percentual mínimo por cada um dos sexos torna-se obrigatório. Além disso, a minirreforma trouxe três outras conquistas para as mulheres: a participação de 5% no fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, 10% do tempo de propaganda partidária para promover e difundir a participação feminina e a obrigatoriedade do preenchimento de no mínimo de 30% e 70% para a candidatura de cada sexo.
Com a Reforma Eleitoral de 2015, há uma alteração na aplicação do Fundo Partidário que estipula um valor maior a ser investido no incentivo a participação feminina na política. Mesmo com todos estes avanços, a política de cotas não se traduziu num controle mais equitativo do número de vagas por sexo.
A despeito destas mudanças legislativas, o Brasil chegou ao século XXI com uma baixa representação feminina no Congresso Nacional: por volta de 6%. Isso nos coloca na 167ª posição no Ranking de presença feminina no Poder Executivo e na 154ª posição entre os Congressos dos 186 países analisados pelo “Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI) 2018”. Este resultado demonstra que a nível brasileiro de ocupação de cargos de chefia por mulheres é um dos piores índices no mundo e o pior da América Latina. Apesar da chegada de Dilma Rousseff à presidência da República, em 2010 e 2014, o espaço da mulher nesse meio é ainda tímido.
Apesar deste quadro, não resta dúvida que o aumento do número de mulheres na política brasileira é real. Entre 1998 e 2016, o crescimento médio delas nas cadeiras dos executivos e legislativos do país foi de 2,7% ao ano. Mesmo assim este índice está longe de fazer alcançar os patamares mínimos estabelecidos pelos organismos internacionais.
Desde 2006, a deputada Luiza Erundina (PSOL/SP) tenta mudar a Constituição para garantir a presença feminina obrigatória nas Mesas Diretoras das duas Casas legislativas. Segundo a Deputada, é necessário reduzir as desigualdades nos espaços de poder. É importante considerar a divisão sexual que se estabelece na ocupação de postos de decisão, pois as mulheres acabam sendo, em geral, designadas para áreas de saúde, da criança, de direitos humanos, enfim áreas do cuidado. Áreas que, apesar da enorme importância, são menos valorizadas do que as majoritariamente masculinas. No Congresso, por exemplo, grande parte das proposições das mulheres parlamentares acontece em comissões de seguridade social e família. Com isso, alguns assuntos não dialogam com o universo feminino, como o caso da comissão de segurança pública, que deixa de lado temas relevantes como o aumento de mulheres encarceradas no Brasil e no mundo, numa negação da interdependência entre os múltiplos assuntos importantes para o ser humano e a coletividade. A sociedade brasileira ainda não propiciou os meios para vencer estas desigualdades entre homens e mulheres nos espaços de poder.
Chegamos em 2018 com a presença feminina de apenas 36% entre legisladores, autoridades públicas de primeiro escalão e gerentes. As mulheres são maioria do eleitorado (51,9%) e quase metade dos filiados a partidos políticos (44,3%), mas representam somente 13,4% dos vereadores, 11% dos prefeitos, 12,8% dos deputados estaduais e 7,4% dos governadores. No Parlamento, há atualmente apenas 55 mulheres entre 513 deputados federais (10,7%) e 12 entre 81 senadores (14,8%). E é recente a ocupação de uma cadeira na Mesa Diretora da Câmara por uma parlamentar. Além disso, outra diferença histórica ainda persiste: no mercado de trabalho, o salário das mulheres é menor do que o valor pago aos homens na mesma atividade.
Não resta dúvida que o longo caminho que ainda teremos que percorrer para alcançar a paridade de representação política e para que, efetivamente, democracia e igualdade sejam uma realidade. A participação feminina política é uma condicionante para o fortalecimento do processo democrático e não basta a previsão de voto para homens e mulheres para que esta realidade se concretize. Mas, sobretudo, que pessoas acreditem na igualdade e lutem por ela. Para que essa igualdade se coloque na ordem do dia serão necessárias reflexões mais profundas, buscando pensar quais as razões que afastam as mulheres da política e a articulação dessa ausência com outras manifestações de desigualdade de gênero, raça, orientação sexual e outras.
O aumento do número de mulheres no parlamento não significa uma igualdade de discursos ou alinhamento de pauta política em prol da paridade de gênero. Deve-se reconhecer a diversidade de identidades e a não linearidade de atuação de cada uma de nós. Entretanto, existem de fato demandas no universo feminino que afetam diretamente as mulheres como a violência doméstica e familiar e a igualdade salarial, temas que são negligenciados nos debates da agenda pública. É preciso ressaltar ainda que estes assuntos são de interesse de toda sociedade, uma vez que um percentual significativo ainda acredita que existam papéis pré-determinados para homens e mulheres. Sendo assim, é ainda necessário, a curto prazo, garantir a presença feminina nos cargos públicos de forma a assegurar um paradigma diferente do defendido pelos homens.
Aquelas que forem eleitas precisam protagonizar uma atuação comprometida com temas historicamente alinhados à luta pelos direitos das mulheres. O aumento da representação feminina é o símbolo da superação de uma desigualdade, entretanto, não necessariamente avança nas conquistas feministas, não garantindo de fato uma mudança no sistema político para torna-lo mais receptivo às demandas das mulheres.
A democracia, teoricamente, representa a vontade da maioria sem desconsiderar os direitos das minorias, que devem ser garantidos. É fundamental que a sociedade brasileira entenda a igualdade de gênero como um valor necessário para a consolidação democrática, quando mulheres e homens compartilharão paritariamente responsabilidades sobre quaisquer assuntos relevantes para a sociedade, contemplando o universo de temas essenciais ao bem estar social.