Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
Temos uma data, 5 de junho, como Dia Mundial do Meio Ambiente. Seria para lembrar e celebrar. Porém, temos quase nada a festejar em termos de meio ambiente neste dia 5 de junho de 2018, ao menos entre nós brasileiros. Vivemos um monumental retrocesso nas conquistas legais e institucionais que vínhamos fazendo no campo socioambiental para preservar florestas e biodiversidade. Agora, estão liberadas as práticas mais predatórias de colonização, com ocupação de terras e desmatamento, violências e mortes, em nome do agronegócio e da mineração. Como celebração nos resta somente a corajosa resistência a tal política pelos povos indígenas, quilombolas, posseiros e ribeirinhos, que lutam em defesa de seus direitos de cidadania, de seus territórios e dos bens comuns da sociedade como um todo.
O que vem acontecendo nas frentes de expansão do agronegócio é efeito visível de apenas um dos tentáculos de um ambicioso projeto político predador que nos foi imposto pelo golpe em diferentes áreas, muito além do meio ambiente natural. Para viabilizar a subordinação do Brasil à lógica de acumulação das grandes corporações econômicas e financeiras em escala global, adotou-se uma política de total flexibilização de direitos e regulações internas e de abertura, a mais ampla possível, para o livre mercado espoliador, destruidor e concentrador de riquezas. Do ponto de vista de cidadania e democracia, estamos diante de um desmonte de direitos, da institucionalidade e da própria Constituição de 1988 como possibilidades históricas para traçar um caminho autônomo e participativo que nos leve a outro futuro. Olhando de um ponto de vista econômico mais imediato, trata-se de um grande retrocesso, chegando a ser renúncia, para manter as bases de um projeto de país voltado à inclusão social, à valorização da diversidade que nos caracteriza e à busca de sustentabilidade socioambiental.
Trata-se de um conjunto de políticas coerentes no que buscam, uma espécie de polvo multipredatório com seus enormes tentáculos e capacidade espoliadora. Tal modelo para o Brasil foi concebido em círculos empresarias e financeiros restritos e, com apoio da grande mídia, imposto a todo país pelo golpe do impeachment. As figuras que compõem o Governo Temer, um Congresso vendido e um Judiciário conivente, revelam muito qual é a cara pública do projeto espoliador e manipulador que está por trás. Bastou uma greve nacional de caminhoneiros para desmascarar a farsa e mostrar a ilegitimidade para ampla maioria da população do que está sendo imposto como necessário para o país.
A ampla agenda predatória, além do agronegócio e sua expansão selvagem, abarca quase tudo: o controle de recursos energéticos e minerais (o que vem acontecendo com Petrobras e a ideia de privatização da Eletrobras); o controle da água e das estratégicas fontes alimentadas pelos imensos aquíferos de nosso território (basta lembrar o recente Fórum Mundial da Água); a concessão de grandes isenções fiscais (como as que foram concedidas para as petroleiras privadas no pré-sal); a subordinação do orçamento público ao pagamento da dívida, com cortes sociais em saúde e educação (a famosa “PEC da maldade”, além da pretendida Reforma da Previdência); espoliação de direitos conquistados (como os da Reforma Trabalhista); um Judiciário também predador (ativo contra os adversários do modelo e conivente com as falcatruas dos golpistas); a renúncia de regulações de preços e moeda, com submissão do nosso dia a dia às disputas geopolíticas e à especulação dos mercados financeiros e seus paraísos fiscais. A relação é longa. Limito-me a lembrar que uma agenda assim, geradora de muitas contradições, desemprego e subemprego em massa (já chega a um terço da força de trabalho), miséria e fome, violência no cotidiano, disputas entre milicianos e traficantes, etc., demanda mais e mais segurança, com militarização, como estamos vendo. A isto se acrescenta o racismo, o machismo, a intolerância e o ódio escancarados. Estamos à beira do fascismo, porque a barbárie já faz parte de nosso viver.
Voltando ao ponto de partida de minha crônica – afinal era sobre o Dia do Meio Ambiente – sou tentado a afirmar categoricamente que estamos em um “meio ambiente” político, social, econômico e natural contaminado pela espoliação altamente predatória. Em tal contexto, os retrocessos na política ambiental ganham em capacidade destruidora. Lembro algumas medidas da agenda específica voltada a regular nossa relação com tudo que tem a ver com o acesso e uso do grande patrimônio natural – bem comum planetário que nos cabe gerir: a legislação flexibilizando todo o sistema regulatório sobre terras, por MP na calada da noite; o “Pacote do Veneno” em discussão no Congresso, para atender aos ruralistas e o que chamam o licenciamento de “fitossanitários”; a perda de autonomia da Funai e o travamento da política de demarcação de terras indígenas e quilombolas; a total desregulação do licenciamento ambiental; a facilidade com que áreas de conservação permanente e protegidas são reduzidas ou liberadas para exploração mineral. Enfim, nada a comemorar e muito a se indignar no que está sendo promovido em termos predatórios para nosso bem comum natural.
Para finalizar, deixo aqui um fio de esperança, olhando para o que aconteceu nas últimas semanas. O “rei está nu”, literalmente. A greve dos caminhoneiros por seus direitos, concordemos ou não, teve impacto em toda a vida econômica e foi além das suas conquistas em termos de preços do óleo diesel para a frota de mais de dois milhões de caminhões que eles conduzem garantindo a logística do país. Foi mais do que uma greve, na medida em que mostrou praticamente, até no que chegava ao nosso prato, a total incompatibilidade da política econômica com as necessidades e demandas internas que temos. O atrelar tudo ao mercado globalizado e dolarizado pode ser bom para negócios, mas se volta contra nós todas e todos. Mostrou, ainda, o quanto fraco e perdido está o governo golpista. O desmonte chegou à própria agenda predatória e as comportas eleitorais se escancararam de vez. Mudanças de conjuntura apontam para possibilidades ou mais problemas, mas o mesmo que tínhamos até ontem ficou inviável.
Rio, 04/06/2018