Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase

Nas minhas reflexões sobre imaginários e narrativas mobilizadoras para um outro mundo possível, não dá para esquecer em nenhum momento que a barbárie avança mais rápido a cada dia. Parece até que já não há mais estratégia de mudança possível diante da lógica sem regulação de um capitalismo globalizado e financeirizado. A narrativa dos arautos deste capitalismo, hoje, é que não há alternativas possíveis a ele, como se a história tivesse acabado. Só que para exercer seu domínio, o capitalismo traz de volta toda a brutalidade e violência, muita desigualdade e destruição, com guerras e sofrimento humano inimagináveis. Resistências e insurgências existem em toda parte, localizadas, territorializadas, fragmentadas e dispersas, sem articulação estratégica, apesar dos problemas comuns vividos. No vazio ao nível político, o monstro globalizado está recriando variantes fascistas de si mesmo, ainda mais monstruosas. São os novos nacionalismos, racistas e xenofóbicos, machistas, sem medo de serem autoritários e violentos, minando a coesão social das diferentes sociedades do mundo. O caso emblemático é do Trump – uma marca deste capitalismo de marcas, como coloca Naomi Klein no livro “Não basta dizer NÃO: resistir à nova política de choque e conquistar o mundo do qual precisamos” – que virou presidente dos EUA e continua ganhando muito dinheiro para si e sua família, com a marca Trump! Com um discurso violento, guerreiro, conquistando apoio de camadas populares que já não têm esperança nenhuma, Trump beira à barbárie em seu modo de fazer política. O fato é que este não é um problema só dos outros. A gente vê e escuta isto no nosso cotidiano brasileiro em todo lugar, a toda hora, é só não fechar os olhos e os ouvidos. A barbárie nos cerca no dia a dia, para muito além do discurso raivoso do Bolsonaro, libertando do armário o ódio e a intolerância com os e as diferentes, pelo que são ou pelo que pensam, contra a própria ideia de direitos iguais, em última análise.
Mas a história não acabou e, como sempre, tudo pode mudar. Só que ela, a história, se fez e se faz em meio a contradições, viradas, disputas dialéticas no espaço da política. Ela é um devir constante, que depende de sujeitos humanos em confrontos de ideias, sempre, porém, condicionados pelas condições e tempo histórico vivido. A sensação atual coletiva de um capitalismo nos levando a uma submissão pura e simples a ele, como sujeitos meramente consumidores e que buscam unicamente o sucesso pelo mérito pessoal, que ou vencem na vida ganhando dinheiro ou então ficam de fora como fracassados e excluídos, é algo construído subjetivamente, como imaginário. Para resgatar nosso papel de sujeitos históricos precisamos nos emancipar, descolonizar nossas mentes e libertar nossos sentimentos, o sentido de ser gente que compartilha e convive com outras gentes igualmente humanas como nós, sem negar o seu direito por identidade diferente da nossa.
Quero ater-me aqui à ideia de retomar a coletividade para resgatar a igualdade. O capitalismo globalizado nos quer atomizar, nos considera apenas como indivíduos. Em sua simplicidade de homem do povo, mas ao seu modo, pensador universal a partir de seu jeitão de uruguaio, a grande pessoa humana que é o José Pepe Mujica vê a civilização capitalista dominante como o “…império da solidão no meio da multidão”. Contraditoriamente, porém, é com a globalização que a consciência de uma comum humanidade planetária, na diversidade de povos e culturas existentes, se torna algo possível e, em si mesmo, filosófica e politicamente, algo revolucionário, transformador do próprio capitalismo de muitos poucos vencedores e ricaços. A civilização é sempre construção coletiva e é a maior herança que passa de geração em geração, mas sempre com novas descobertas e outras construções também feitas coletivamente. Assim, o Mujica conclui: “O coletivo é o único que permite que o indivíduo não fique na solidão e enfrente a vida com outras possibilidades.”
Ter consciência do coletivo, de ser parte e dele depender, é o assumir-se como sujeito histórico político, é se convencer que é necessário construir questões que envolvam a todas e a todos. Este é o ponto de partida de novas narrativas que venho refletindo e compartilhado em algumas de minhas crônicas desse ano. Construir questões coletivas é se dispor a lutar por elas, e se engajar como cidadania ativa, sabendo que a disputa implica em despertar contradições, tensões, sentimentos. Mas ao nos engajarmos a gente disputa o próprio sentido do coletivo, dialeticamente. Ou seja, sempre a gente pode ganhar ou perder, em um processo contraditório de vitórias e derrotas próprias do viver humano, mas nada será como antes e nem acaba aí, pois contradições mudam e novas contradições podem surgir no viver em coletividade, exigindo a construção de novas questões e um renovar da luta em torno a elas. Este é o sentido mais profundo da política e que pode ser altamente criativa com a conquista da democracia como modo de disputa, identificando princípios e valores comuns que embasam a prática democrática, de respeito mútuo e não violência. Enfim, nossos problemas prementes no cotidiano podem se expressar na economia, no modo como nos organizamos para produzir e viver. Mas, para enfrentá-los, a economia não basta e nem oferece soluções. A questão central está no nível da política e é no espaço da política que poderemos criar alternativas à economia, que hoje é este desregulado e selvagem capitalismo globalizado, excludente socialmente e devastador da base natural da vida, o Planeta Terra.
Bem, estamos longe de democracias minimamente operativas diante do capitalismo que vem conquistando e colonizando as próprias democracias pelo mundo, pregando que não existem alternativas a ele.  O nosso caso, no Brasil, só é exceção na forma, mas não no conteúdo do quem vem acontecendo com a globalização neoliberal desregulada, beirando à barbárie. O jeito é levantar a cabeça e não desistir. Como o mestre popular Mujica afirma, “Vencer na vida não é chegar a um objetivo. Vencer na vida é se levantar e é reiniciar cada vez que se cai”. Como fazer isto coletivamente, como novo imaginário que dá sentido e anima o nosso engajamento?
Acho que precisamos de apoio de nossos grandes pensadores de política. Como trazer ao centro da política o duelo entre grandes cosmovisões, utopias, filosofias ao centro, superando esta hegemonia absoluta de uma visão utilitária, produtivista e consumista, assentada na propriedade e acumulação privada, sem limites? Enfim, como fazer com que o duelo esquerda-direita volte a ser o motor da humanidade nos dias de hoje?
Assumo abertamente que meu grande mestre de filosofia e política, até hoje, é o italiano Antônio Gramsci, falecido na prisão do fascista Mussolini que tentou e não conseguiu encarcerar as sua capacidade de pensar as ideias que pensava. Segundo Gramsci, é no seio da sociedade civil que se dá a disputa fundamental de hegemonia, transformando o senso comum em bom senso, capaz de estrategicamente dar sentido ao coletivo, sempre um bloco histórico de forças sociais diversas que precisam de ideias e propostas como cimento agregador e sentido de vida. Isto vale tanto para a esquerda como para a direita, com uma diferença: a esquerda tende a trilhar o caminho de unir em torno a ideias de outro mundo, buscando aqueles grupos deixados de lado ou subordinados e explorados pelo mundo em que vivemos; a direita, pelo contrário, tende a por no centro interesses comuns de forças que compartem ideias de manutenção de sua situação de privilégios como bases agregadoras.
Hoje estamos diante da vitória histórica do “…monstro: o capitalismo globalizado e as suas monstruosas igualdades”, segundo Alain Badiou. Ao nível da política, da agenda e das decisões, os Estados no mundo inteiro dependem da visão que o “monstro” impõe às diferentes sociedades. O espaço da mídia, tradicional e das novas redes sociais, é dominado por corporações privadas, movidas acima de tudo pelo negócio e acumulação. Na prática, sabemos como isto funciona, basta ver o “ambiente” subjetivo propício a uma agenda política de desconstrução de direitos e políticas, como a que vem sendo praticada pelo corrupto e golpista governo Temer, tudo em nome de facilitar a expansão do “monstro” em terras brasileiras. A desigualdade se expande aceleradamente, junto com violência e assassinatos, com racismo e patriarcalismo. Esse governo subserviente ao grande capital, com apoio do Judiciário, criou até um preso político de grande simbolismo como alternativa a tudo isto, o nosso Lula.
Insurgir-se ao nível do pensamento, do subjetivo e emocional, e da prática, deixando de lado o medo da luta por igualdade na diversidade, é o caminho incontornável para a esquerda no Brasil. Podemos não conseguir hoje e nem amanhã, mas é a condição para uma nova estratégia coletiva. Voltar a nos inspirar nas resistências e insurgências que pipocam à nossa volta, extraindo delas o bom senso alternativo que está no seu DNA de cidadania ativa. Estas são opções à nossa mão, nas trincheiras cidadãs, buscando a narrativa que dá sentido unitário e frontal, dialeticamente oposto ao capitalismo selvagem da globalização neoliberal. Basta acreditar no amanhã, outro amanhã. A vida segue.
Rio, 24/04/18
 
 

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