Rio de Janeiro – Militares fazem operação na favela da Rocinha após guerra entre quadrilhas rivais de traficantes pelo controle da área (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Itamar Silva
Coordenador do Ibase

No último dia 18, foi apresentado à imprensa carioca a “Agenda de redução de homicídios”, uma iniciativa do ISER e da Anistia Internacional, com a participação e apoio de outras instituições que atuam no campo da segurança pública. O documento apresenta proposições que buscam afirmar que é possível reduzir e prevenir os homicídios no Rio de Janeiro. Além disso, é apresentado um conjunto de “propostas para uma agenda de politicas de segurança pública baseada em direitos humanos”.
Tais propostas interpelam o contexto da intervenção federal, “desde o início, sustentada por uma retórica que chancela e legitima o uso abusivo da força por parte dos agentes do Estado”, como diz o documento que chama ainda a atenção para o fato de que “o policial do estado do Rio de Janeiro mata muito e mata de modo ilegal”. Outro fato importante destacado é que quase 80% das mortes causadas por policiais são de jovens negros. Isto mostra que “o discurso de combate ao tráfico de drogas tem funcionado sistematicamente como uma espécie de licença tácita para matar”.
No mesmo evento, o Observatório da Intervenção, coordenado pelo CESeC, entregou para a imprensa uma síntese do monitoramento dos quatro meses de intervenção federal no Rio de Janeiro, com dados colhidos em várias fontes: o Instituto de Segurança Pública – ISP; o aplicativo Fogo Cruzado; a imprensa em geral e o próprio Observatório, que tem um conselho composto por 20 ativistas e lideranças de diferentes favelas. Os números deixam claro: os 120 dias de intervenção federal apresentam resultados pouco expressivos: “Nunca se viu tantos agentes, a custos tão altos, mobilizados para obter tão pouco”.
Um elemento verificado pelo Observatório e comprovado em números é a dificuldade em acessar informações: dos 77 requerimentos enviados, baseados na Lei de Acesso à Informação (LAI), desde 07 de maio, 37 foram indeferidos. Os outros, até o momento, sequer foram respondidos.

Infográfico produzido pelo Observatório da Intervenção mostra dados e fatos sobre o período de comando militar na segurança pública do Rio de Janeiro

Mesmo nesse quadro de baixa efetividade, o gabinete da intervenção “ensaia” a sua prorrogação por mais um ano, além de dezembro de 2018. Essa possibilidade nos faz refletir sobre algumas questões: qual o preço dessa prorrogação? A decisão de prolongar a presença dos militares na segurança pública do Rio não deveria passar por um balanço/diálogo com a sociedade, envolvendo instituições e atores que pensam a cidade e o estado? Porque apoiar uma intervenção federal militar, carregada de autoritarismos e baixa efetividade?
Pela inércia, pelo não combate, o gabinete da intervenção deixa fluir o padrão vingativo, historicamente, praticado pelas polícias do Rio de Janeiro e não desautoriza o discurso de ódio e vingança proferidos publicamente por policiais em cargo de comando. Um exemplo claro é o discurso do delegado Marcos Amin, em relação a Acari, no qual ele diz, em um programa de televisão, que a Polícia Civil irá “caçar” e “sujar as ruas de sangue” em busca do assassino de um policial.
Aqui, vemos também que há uma abordagem midiática que, de forma intencional ou não, permite percepções diferenciadas sobre as mortes violentas ocorridas no Rio de Janeiro. Ao colocar em lados opostos policiais e moradores de favela (seja ou não vinculado ao tráfico de drogas), esse discurso recorrente faz com que o senso comum reaja como se a morte de policiais fosse algo muito maior do que a de moradores de favela mortos em decorrência dos confrontos armados. Neste caso, em primeiro lugar, é necessário e urgente nos indignarmos frente a essa barbárie e pensarmos em mecanismos para defender todas as vidas. Em segundo, é preciso deixar claro que a morte de um policial, de uma dona de casa na favela, de um morador em seu cotidiano e mesmo de um jovem vinculado ao tráfico de drogas atinge fortemente uma rede de familiares e amigos e, como consequência, marca profundamente a sociedade.  Se não conseguimos mensurar esse estrago, fica claro que a visibilidade para os casos é dada de modo seletivo.
Além disso, é preciso qualificar essas mortes: quantas foram em confronto? Quais e quantas são resultado da vulnerabilidade que estamos submetidos em função de uma violência urbana que pode atingir a qualquer um, em qualquer área geográfica da cidade? Quais foram investigadas? E, finalmente, temos que fazer valer o nosso arcabouço legal. Distinguir e exigir legalidade em todos os procedimentos é fundamental para se pensar uma politica segurança pública cidadã.
O medo continua sendo o instrumento pelo qual a sociedade é manipulada. O discurso da guerra tem justificado o combate à violência com mais violência e ações arbitrárias: em algumas áreas e territórios tudo pode. A banalização da morte nesses locais e a desvalorização da vida dos mais pobres não podem ser contabilizadas como resultado positivo de uma ação pública.
 

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