Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
A liberdade de expressão e de informação é um direito civil e político fundamental, condição para a ação cidadã e para construir democracias substantivas. Controlar a informação e interferir na liberdade de expressão são as primeiras medidas de qualquer regime antidemocrático. Mas onde se situa a linha entre liberdade e controle? A censura como política de poder e com agentes censores atuando é a negação por excelência da liberdade de expressão. Mas quando não aparece como tal, se mascara e pratica a simulação entre o fato e o relato, podemos considerar isto como a linha da agressão ao direito de informação? Neste segundo caso, trata-se simplesmente do direito de informar de quem é o dono do meio e de seu “privilégio” garantido pela concessão pública, que lhe dá o poder de decidir o que informar e o que censurar, o que manipular e o que destacar. A liberdade de expressão e de informação e o direito à comunicação, na prática, podem ser cerceados, manipulados e negados, com regime explicitamente autoritário ou na democracia de baixa intensidade, como temos atualmente.
Entro neste tema com uma espécie de revolta. Por que no campo da mídia avançamos tão pouco ou, melhor, nada? Temos mídia de entretimento, até de qualidade razoável, como são as novelas, as séries especiais, a cobertura de espetáculos e de esportes. Mas em termos de jornalismo estamos diante de mídia privada monopolista e de péssima qualidade, tanto nos jornais, como na televisão ou nas revistas que publicam. Talvez as rádios sejam o meio mais democrático que temos, mesmo sendo privadas, devido à própria multiplicidade delas. As rádios comunitárias, por sua vez, são uma possibilidade real para as comunidades que servem, mas – como o próprio nome define – limitadas para tarefas de informação e comunicação nacional e, cada vez mais, planetária. Destaco certa qualidade de programação nas rádios e TVs públicas (com déficit técnico, diga-se de passagem), mas elas estão longe diante do desafio de ser um contraponto à mídia privada. E, assim, ficamos sem real opção em termos de grande mídia, que mereça credibilidade e contribua para o nosso direito à informação. O jeito é explorar naquele matagal anárquico que é a internet, os sites e as redes sociais. Que déficit monumental para a democracia entre nós! Onde estão os debates, as controvérsias, a diversidade de visões e valores? Será que estamos condenados àquelas quentes conversas de botequim para tentar entender minimamente o que se passa e quem é quem e o que acontece nesta conturbada cidade do Rio, no Brasil e no mundo?
Vou tomar um tema de grande interesse público hoje na agenda: a Previdência Social. A informação disponível a respeito, pública, é aquela “versão” dos golpistas que estão no exercício do poder e que, sintomaticamente, a grande mídia repete. A Previdência Social que temos, com todas as suas reais limitações, nos é apresentada como o “mal” maior, insustentável, descalabro das contas públicas. Qual dos nossos meios de comunicação fez um mínimo de esforço investigativo e de debate público para esmiuçar a conta da Previdência Social? Onde está o déficit? Os auditores federais se cansam de apresentar números ao contrário, mas nada disto chega na grande mídia. Afinal, a Constituição de 1988, ao ampliar a cobertura, ampliou também as formas de financiamento. Qualquer especialista sabe que o déficit da Previdência Social não se deve ao envelhecimento da população – fato real – mas ao desvio dos recursos da Previdência para outras prioridades do governo de ocasião. Ela é superavitária, na verdade. Descalabros existem, sem dúvida, como o “privilégio adquirido” de certas categorias, especialmente entre servidores públicos, pois os mais ou menos 10% de aposentados (entre eles deputados, senadores, juízes…), abocanham a maior fatia do fundo. Meu ponto aqui é simples: cadê a mídia investigativa e empenhada em construir o verdadeiro debate? Como os recursos desviados acabam servindo ao interesse maior de pagamento dos juros dos detentores da dívida pública, a mídia dominante nada mais é que conivente, subserviente, contra o interesse público da informação honesta. Pior, o interesse de especuladores e banqueiros fica acima dos direitos da maioria.
Vou tomar uma reportagem da Globo desta semana passada, no seu Jornal Nacional da 20:30hs, como exemplo da espetacularização sem conteúdo e sem sentido. Por mais de 10 minutos, o Jornal Nacional foi uma cobertura da viagem do Eike Batista, desde o aeroporto em New York ao Rio de Janeiro, ele esperando a hora de embarcar, o voo na executiva, o fato de não jantar, a sua dormida, a chegada no Rio e a prisão. O que de relevante havia nisto em termos de interesse público? Só dá para entender se a gente desconfiar da intenção de nos fazer crer que o importante seja isto, o espetáculo de um rico indo ao fundo do poço, e as artimanhas do poder e corrupções em que Eike Batista esteve envolvido.
A gente poderia ir por este caminho para muitos temas quentes. Vou lembrar aqui o mais emblemático, da violência nas favelas. Por que a versão pública, dos meios de informação e comunicação, só privilegia a versão oficial, da polícia? Será que a polícia está com toda a verdade? Será que as favelas só têm criminosos? Que olhar é este incapaz de ver o outro lado, o que sofre de balas perdidas e está perdendo toda uma geração de jovens, por sinal “negros” em quase a sua totalidade?
Outro tema quente nunca tratado é sobre a propriedade da terra no Brasil. Cadê o jornalismo independente, informativo? O mesmo se poderia dizer dos dados de Imposto de Renda. Não tenho notícia de uma única reportagem dos grandes meios sobre o sigilo absoluto da Receita Federal sobre tais dados, ao ponto que nós, cidadãs e cidadãos deste Brasilzão, empenhados na luta contra a monumental desigualdade, nem conseguimos saber o quão escandalosa é a concentração de riqueza entre nós. Provavelmente, os detentores de mais de 90% da riqueza sejam menos de 1%. Bem, os dados da estrutura agrária são quase sigilosos. Pelos meus cálculos, precários devido à falta de informação, umas 70 mil famílias detêm um quarto do território nacional! Cadê o debate público a respeito?
Tivemos a conquista democrática da Lei da Transparência. Mas o sigilo e a negação da informação ainda predominam. Nesta semana passada, foram homologadas as delações dos 78 executivos da Odebrecht. Por que não podemos conhecer o seu conteúdo? Diz-se, informalmente, que as delações implicam quase metade dos investidos de poder federal nesta nossa vilipendiada nação, ainda longe de ser uma república de verdade. Que esforço fez a mídia dominante a respeito? Será que não convêm revelar o que vai contra os seus interesses, aqueles de criminalizar somente um lado do espectro de forças políticas com capacidade de influir no destino do país?
Concluo com o que considero mais importante neste tema da informação e comunicação. Por total falta de regulação democrática, temos uma mídia que “coloniza” nossas cabeças. Primeiro, “Mc donaldiza” a nossa comida, por assim dizer. As publicidades – que são informação direcionada e sutil – nos fazem consumir bens que nada tem de bens, pois podem ser venenos, como no caso da comida. O consumismo, mal maior de nosso estilo de vida, se tornou referência do bem viver pelo estratégico papel da mídia em “pedagogicamente” fazer nossa cabeça de consumidores. Não consumimos o que é de fato bom e sustentável, mas o que nos é martelado como bom. O pior é no que se refere a visões e valores. Depois de termos avançado minimamente em agendas contra o racismo, o machismo e a discriminação, estamos diante de uma onda conservadora nos costumes que pode levar a retrocessos monumentais em termos de direitos de cidadania. Por que a grande mídia está conivente com isto, sem organizar debates sobre visões de cidadania a respeito?
Enfrentar a onda reacionária, conservadora, negadora da igualdade cidadã em nome do mérito, que deslegitima o direito à diferença, do igual direito de cidadania a todas e todos, é condição de democracia substantiva. Mas isto é, sobretudo, uma questão de convencimento, de princípios éticos e valores em disputa, de visões, de informações e convicções, caldo da própria comunicação. A liberdade é fundamental. O desafio, num país de mais de 200 milhões de habitantes, são os meios de informação e comunicação. As novas tecnologias são uma possibilidade e poderoso meio frente ao monopólio. Mas a cidadania precisa ser ousada e criativa – para além das atuais redes sociais anárquicas, onde tudo cabe, e os sites fragmentados, sem articulação – pelo bem público maior de um espaço democrático de comunicação, feito com bom jornalismo e disputando hegemonia diante da mídia privada. O momento da nossa luta democrática exige um esforço estratégico no campo da comunicação.
Rio, 05/02/17