Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
Que conjuntura eleitoral complicada a que estamos vivendo! Parece que nada acontece, mas muita coisa está vindo à tona. Todos os fantasmas, racismos, machismos, intolerâncias e ódios estão se expondo de forma aberta, sem vergonha. Ao mesmo tempo, quanto bom senso emerge dos debates que isto tudo provoca no meio popular. Confuso? Sim, confuso mas vivo, apaixonado até. É a democracia em ação, ao seu modo. Muito melhor que qualquer forma de autoritarismo, apesar dos que se aproveitam do clima de total abertura de corações e mentes para pregá-lo.
Com esta absurda campanha eleitoral na televisão e no rádio, com candidatos e candidatas expostos como se fossem produtos à venda e com números como códigos de barras totalmente sem sentido, parece que nada acontece no seio da cidadania sendo convocada a votar. No entanto, basta circular nas ruas, parques, bares e locais de trabalho ou convivência, com ouvidos atentos, para perceber que um vivo debate se instalou na sociedade. Um debate necessário, especialmente sobre aquelas opções em termos de escolha presidencial. No que isto vai dar ainda é cedo para saber. Nada como aquele voto constituinte e instituinte da cidadania no dia 7 de outubro próximo para nos trazer a resposta.
Sei que estou levantando uma questão inusitada em meio à barafunda que está a campanha eleitoral deste ano de 2018. Mas merece reflexão e destaque o fato que na confusão existem virtudes que só a democracia propicia. É bom que um Bolsonaro da vida se apresente como candidato com todo seu autoritarismo, machismo e desprezo por direitos humanos, mesmo por um partido de ocasião, que quase ninguém lembra a sigla e o que quer. Registre-se o fato que ele está pedindo voto, o que numa ditadura não é possível! Afinal, convivemos com gente que se alinha às ideias, propostas e atitudes autoritárias e misóginas do candidato e que precisam ser expostas, combatidas e derrotadas pelo voto. Nada de facadas ou atentados! O que temos à mão na democracia, que é o voto, pode ser suficiente para enfrentar tais ameaças. Pela frente, temos também todos aqueles outros candidatos que se obrigam a expor suas ideias e propostas. A gente nem precisa chamá-los para um debate, eles mesmos fazem o papel ridículo de expô-las sem conseguir criar uma onda de apoio da cidadania a seu favor.
Nada disto tudo é suficiente para trazer mudanças fundamentais, mas é o possível em meio às adversidades do momento. Aliás, a gente nunca escolhe as condições para ser cidadania e influir, mas sempre se defronta diante de opções possíveis. Olhando no que se passa a rés do chão da cidadania, uma louca campanha eleitoral como a que estamos vivendo é muito, muitíssimo melhor, do que o silêncio armado e sufocador de ditaduras. Que os mais diferentes deuses que habitam entre nós nos livrem de tal aventura! Uma democracia, com todas as suas mazelas, pode sempre abrir novas possibilidades de amanhã. Trata-se de uma esperança ardente, mesmo com a chama aparentemente apagada.
O que mais chama a atenção de um ativista e analista político como eu é o debate vivo que foi instalado neste momento. É surpreendente, em meio a todas as adversidades do golpe e do governo Temer, crise econômica sem igual na história do país, Lava-Jato, Lula preso, nossas Marielles cidadãs mortas, um montão de políticos presos ou investigados, que a gente esteja conseguindo discutir o futuro do país. Debate truncado, mas, ainda sim, debate! Vai resolver algo? Vai nos fazer sonhar por outro Brasil? Difícil de responder. Porém, nada como tentar. Afinal, viver é sempre buscar para não morrer sem a satisfação de ter tentado.
Mas está difícil. A estratégica informação e o conhecimento dos problemas que temos pela frente não estão expostos. Dados essenciais como, por exemplo, a centralidade do capital financeiro e bancos – agiotagem legalizada – na nossa crise brasileira nem está pautada no debate. Como será enfrentado o poder dos especuladores no imediato pós-eleitoral, condição sine qua non para mudanças acontecerem? Ninguém tem propostas sobre tal questão e muito menos está sendo discutida entre nós. Afinal, a crise que enfrentamos tem poderosos responsáveis, que podem ser derrotados pela cidadania, ninguém mais. Outra grande questão imediata é o pequeno setor, mas poderoso, do agro é tech, agro é pop, que tirou da cidadania – seus movimentos sociais e múltiplas organizações de sem terra, agricultores familiares, indígenas, quilombolas, ribeirinhos – o protagonismo público sobre o que é bom e forma sustentável de tratar o grande patrimônio natural do nosso grande território, bem comum planetário, que nos cabe cuidar. Também, nem conseguimos pautar a central questão energética e do extrativismo mineral, no centro de nossa reprimarização econômica, dependência e perda de soberania como povo. Para muitos, isto parece uma questão aparentemente distante do imediato da vida dos milhões hoje condenados ao desemprego, à informalidade, à miséria e à fome, apesar de sua centralidade e desafio imediato.
Termino reconhecendo a confusão em que estamos, em pleno processo eleitoral, precisando decidir logo aí quem irá nos governar. Afirmo e reafirmo que, apesar de tudo, democracia é uma confusão virtuosa. Uma eleição é melhor que nada! Se algo sobre nosso futuro estamos discutindo é porque ainda temos uma pequena chama democrática ardendo em nosso seio. Não deixemos que se apague!
Rio, 17 de janeiro de 2018