Sandra Plaisant Jouan
coordenadora do Ibase

Mais um capítulo da votação da Reforma Política se encerra inacabado, seguindo o mesmo caminhar das várias tentativas de aprovação dessas medidas desde 1988 no Congresso Nacional. As votações que ocorreram e ainda virão a ocorrer na casa estão muito aquém do que vem sendo historicamente reivindicado pela sociedade civil organizada.
Os dissensos entre os parlamentares são predominantes.  Os pontos em votação são discutidos de forma fragmentada e desarticulados, o que impõe ao eleitorado uma visão distorcida da real reforma que o Brasil precisa. Várias medidas votadas atendem somente a interesses de grupos e pessoas e que têm objetivos muito claros de defesa de perpetuação de privilégios, adquiridos ao longo dos mandatos eleitorais, e pouco vínculo com o aperfeiçoamento do Sistema Político Brasileiro.
A legislatura atual está muito afetada por denúncias e perda de legitimidade política. Indiscutivelmente, não é a melhor representação parlamentar para aprovar uma Reforma Política em poucos meses, sem discussão e consulta a sociedade civil, tendo como norte um novo sistema eleitoral para entrar em vigor em 2018. Tem-se a impressão de que o que hoje tramita no Congresso referente à Reforma Política não tem como propósito final a melhora do sistema eleitoral, tão necessário na atual conjuntura. O que vemos são medidas votadas para assegurar o mandato de deputados e senadores envolvidos em corrupção, garantindo-lhes foro privilegiado e impunidade jurídica.
Apenas algumas medidas realmente relevantes à sociedade brasileira foram aprovadas pelo parlamento. É o caso da Cláusula de Barreira que, segundo a proposta, entrará em vigor nas eleições em 2018 e será escalonada até 2030. Essa medida restringe a possibilidade de ter direito ao fundo partidário e à propaganda na TV e rádio, os partidos que não alcançarem o limite de 1,5% de votos em nove Estados, com no mínimo 1% em cada Estado, ou os que tiverem elegido ao menos nove deputados nos nove Estados. Se tivermos como parâmetro as eleições de 2014, dos 35 partidos existentes, 14 deixariam de receber do Fundo Partidário em função da Cláusula de Barreira.  Outro ponto de consenso foi o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais a partir das eleições de 2020.
Todas essas emendas ainda serão votadas na terça-feira (26/09) na Câmara e encaminhadas ao Senado, que deverá concluir a votação e tentar fechar um acordo sobre o texto do financiamento de campanha, já que o plenário da Câmara não conseguiu chegar a um consenso sobre a criação do fundo. O prazo para aprovação das medidas se estende até 07 de outubro para que possa valer já para as eleições de 2018.
As mudanças que serão votadas – apesar de contemplarem algumas ideias e propostas resultantes de anos de discussão de um conjunto de forças sociais articulados na Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político, do qual o Ibase é parceiro – estão muito aquém do que se considera uma reforma que amplie e aperfeiçoe a democracia brasileira. O que está em pauta no Congresso não proporciona nem garante que teremos as transformações que o momento político brasileiro tanto precisa. Nestes últimos tempos, mudanças significativas no sistema eleitoral somente foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, como foi o caso da definição das regras de fidelidade partidária em 2008 e do fim do financiamento privado em 2016.
A Reforma Política defendida pelo conjunto das instituições da Plataforma e pelo Ibase visa à radicalização da democracia. Não bastam apenas mudanças eleitorais. É necessário democratizar a vida social, as relações sociais, na esfera pública e privada, democratizar as relações de poder no âmbito da sociedade civil. A reforma política em discussão deveria ser uma oportunidade para refundar as bases democráticas do país. São necessárias mudanças estruturais que enfrentem questões como patriarcado, o patrimonialismo, o nepotismo, a oligarquia, o clientelismo, o personalismo e a corrupção.
Necessitamos transformar elementos estruturantes do Sistema Político Brasileiro, para ampliar a participação cidadã na esfera pública. E para alcançar isso é necessário realizar mudanças na estrutura do estado no âmbito do poder executivo, legislativo e judiciário.  É hora de se romper o ciclo hereditário do poder político e fortalecer a cidadania ativa.
A discussão da Reforma Política deverá ter continuidade, mas não com este Congresso no qual muitas bancadas estão somente preocupadas em não perder os mandatos e privilégios. Alguns caminhos apontam nesta direção, dentre eles a instalação de uma Constituinte Exclusiva Soberana mais conectada com o Brasil. Devemos abrir um grande debate com a sociedade e apostar numa reforma mais profunda, mais democrática, na qual cada brasileiro e brasileira possa opinar sobre o sistema político que querem que reja suas vidas. Sem isso, qualquer reforma acontecerá apenas para perpetuar os  grupos que historicamente ocupam o poder no Brasil.

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