Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase

 
Com a passagem do Dia do Professor pus-me a refletir sobre a sua situação em nosso país. Por que, em geral, é tão difícil a vida dos professores e das professoras, especialmente de quem está no ensino infantil, fundamental e médio? Ao mesmo tempo, como é essencial para o conjunto da sociedade o trabalho que realizam. Boa parte do dia de mais de 50 milhões de nossas crianças e adolescentes é dedicada à interação com professores, num ‘quefazer’ educacional que é essencialmente para o se fazer gente e cidadão.
Na conjuntura de crise política e econômica atual – uma verdadeira crise de hegemonia, com total falta de consensos mínimos sobre projeto de país desejado e possível historicamente – considero estratégico voltar aos fundamentos sociais e culturais que nos dão condições de construir sentido de vida coletiva, hoje e no futuro. A educação é um destes setores essenciais que fincam bases para o amanhã. Sem dúvida, se estamos mergulhados na crise, a educação também está de algum modo. Porém, como protegê-la para que toda uma geração de crianças e adolescentes não tenha negado o seu momento histórico da vida e direito essencial de poder florescer e virar cidadania que decide e faz o país.
Admiro muito os profissionais da educação pelo seu dedicado trabalho, às vezes em precaríssimas condições. Se para se dar a interação pedagógica de troca bastam alunos e professores, o certo é que as condições em que se realiza o fazer educacional são muito importantes. Algo que não resolvemos direito na sociedade é o reconhecimento e o tratamento digno do trabalho de professoras e professores. Os salários pagos chegam a ser aviltantes em geral. Para obter renda mínima razoável, muitos se submetem a extensas jornadas de trabalho. Vem governo e passa governo, pequenas melhoras se esfumaçam em seguida. Muitas e eternas promessas de melhores condições, mas a educação é mais vista na administração pública como peso e desperdício de recursos do que condição sine qua non de uma sociedade justa e democrática. Parece que a educação, apesar da destinação obrigatória de recursos orçamentários, funciona como colchão de ajuste de contas públicas, quando não de corrupção. Os profissionais da educação pública deveriam ser vistos como cidadãos em exercício de funções de Estado, com carreira estimulante e recursos definidos, independentemente dos governos de plantão.
Na verdade, ser professor ou professora é ter a cargo uma das profissões do cuidado com “comuns” que nossas sociedades complexas necessitam. Aí está a raiz de sua essencialidade em qualquer circunstância e momento histórico. Precisa ser profissional e, ao mesmo tempo, estar engajado com sentimento, emoção, sonho e vontade de fazer a diferença com crianças e adolescentes que entram em interação total na escola, entre si e com seus professores. Pode ser amor ou ódio ou, ainda, confusão e desencontro. Mas este é o inevitável ambiente da relação pedagógica numa escola.
Nossas crianças e adolescentes – bem comum maior de qualquer sociedade que olha seu futuro – estão aí, diante de professoras e professores, a quem atribuímos a função de cuidar para uma inclusão mais sistemática no saber coletivo, no conhecimento que gerações e gerações antes de nós desenvolveram como patrimônio cultural comum. É a língua, a matemática, a história, a herança cultural identitária. Saber identitário na diversidade de povos e cidadanias pelo mundo e, também, saber universal de direitos e responsabilidades compartidas. Quem zela por isto no tempo da escola são professores e professoras, exercendo sua profissão de cuidado em preservar e fortalecer comuns. Algo essencial, razão de ser de qualquer sociedade.
Como estamos longe de ver assim as e os professores! É na escola que podemos aprender o sentido pleno de liberdade – na bela definição da “educação como prática de liberdade” de Paulo Freire – como relação em que a minha liberdade existe enquanto não afeta a liberdade de outrem. Podemos aprender, também, o sentido profundo de igualdade na diversidade, a duras penas, é certo, mas indispensável para que nos sintamos compartindo a mesma cidadania. Enfim, a sociedade depende muito da escola e de professores para que novas gerações iniciem sua caminhada em termos de emancipação social, como sujeitos pensantes e determinados.
O fato substancial da realidade educacional é isto. Existem, no entanto, muitas mazelas. Poderia afirmar, sem exagerar, que nosso sistema educacional está relegado à sua própria sorte. Não o temos como uma prioridade, um pilar de sustentabilidade da sociedade. A tal “pátria educadora” do governo atual é a última versão de declarações vazias que pontuam nossa história. Falta real compromisso com o que importa. Por que pagar juros é mais prioritário do que a educação? Garantir o bom funcionamento de um serviço social como a educação não pode depender da política econômica voltada aos interesses financeiros. Afinal, a educação está no centro da vida social e, portanto, da própria economia que importa. Ela cuida das novas gerações e pode garantir que o patrimônio comum, que nos torna povo, lhes seja plenamente acessível. Na verdade, olhamos para a economia, a bolsa, o orçamento, a escaramuças políticas no Congresso e no Judiciário, a mídia que nos desvia dos verdadeiros debates. Deixamos de zelar pelos fundamentos da sociedade, que ficam ao Deus dará.
Como são precárias e difíceis as condições em que trabalham os profissionais responsáveis pela socialização do saber e do conhecimento comum! Os salários de professores públicos são vergonhosos para um povo que se imagina com futuro. As greves deste grupo profissional – aliás, as únicas a apontar problemas de fundo – foram as mais violentamente reprimidas, basta lembrar os casos do Paraná e Rio Grande do Sul.
Ouso afirmar que um projeto de país democrático, participativo, justo e sustentável só é possível se pusermos no centro dos debates o sistema educacional e o conjunto de sistemas que gerem os grandes “comuns” da nossa sociedade (a cultura, a saúde, a mobilidade, a biodiversidade, a água, a atmosfera e o patrimônio natural). Precisamos e devemos discutir a economia e o poder que vai sustentar isto. O que não podemos é condicionar o essencial da vida em coletividade aos humores do mercado e da política.
Por estas razões todas, penso que estamos discutindo o que não é essencial e nos perdemos nos detalhes de taxa de juros, notas de risco de investimento, déficit fiscal, taxa do dólar, uma fumaça especulativa pior do que os incêndios criminosos na Amazônia. Neste quadro, sou profundamente solidário com as nossas professoras e nossos professores, construtores de cidadania e do amanhã para todos nós, no seu silencioso ‘quefazer’ pedagógico do saber e do conhecimento compartilhado.
Obrigado batalhadoras e batalhadores da educação!

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