falta dágua Brasil de Fato
Rio de Janeiro, 21 de janeiro de 2015
Por Gândido Grzybowski,
Sociólogo, diretor do Ibase

Nestes dias escaldantes com um verão de poucas chuvas, o assunto dominante nas conversas é o calor e se estamos já sofrendo a mudança climática. Na Região Sudeste sofremos pela escassez, mas em outras regiões do Brasil sofre-se pela abundância de chuvas. O que se passa? Por que tais extremos?
Faltam chuvas para nós e falta muita água. Cachoeiras e lagos estão minguando, a grama dos parques está secando, os reservatórios de água para abastecimento de nossas casas estão se esgotando. Agora está faltando água nas grandes represas hidroelétricas. Resultado: calor demais, água para consumo doméstico de menos, ameaçando tanto o banho como o ar condicionado e os ventiladores que nos refrescam, como aconteceu nesta segunda-feira em boa parte do país. O que fazer?
Como assinalado no título desta crônica, não adianta tapar o sol com a peneira de nossa irresponsabilidade coletiva, uns mais outros menos, mas de toda forma de todos. Querer fugir não resolve o problema, nem culpar a natureza ou atribuir a situação a uma vingança dos deuses. Temos que encarar o problema como coletividade e definir ações que, ao menos, mitiguem o problema e que ele não se agrave logo nos anos vindouros.
Aqui no Rio de Janeiro temos um bom exemplo para lembrar. Por volta de meados do século XIX, devido ao intenso desmatamento nas encostas da Tijuca, as nascentes dos rios que abasteciam a cidade começaram a secar. Numa decisão, que devemos louvar sempre, as autoridades reflorestaram as encostas. Hoje temos a Floresta da Tijuca – uma floresta produzida – bem no coração da cidade, maior floresta urbana do mundo, de uma beleza indiscutível e que, combinada às praias, até nos dá aquele sentido de lugar único, de que muito nos orgulhamos. Nossos rios voltaram a correr e, em época de chuvas, temos muitas cachoeiras para curtir. Nada, porém, como uma caminhada pelas frescas trilhas da Floresta da Tijuca para sentir o quão abençoadas são as árvores na regulação do calor.
O fato é que temos muito a fazer para evitar o pior. Precisamos, antes de mais nada, nos convencer que estamos diante do desafio de lidar com bens comuns. A água é o mais vital deles. Sem água não há vida, nenhuma forma de vida. Trata-se de um estoque dado que se perpetua e renova no ciclo da água. Por onde começarmos sempre teremos a combinação de chuvas que caem e regam tudo, a água que é estocada pelas árvores e lençóis freáticos, nos abastecemos fazendo poços ou captando a água que nasce em fontes e forma córregos e rios, chegando ao mar. Em todo esse ciclo, dá-se a evaporação, que forma os “rios” de umidade atmosférica, condensados em nuvens, que alimentam as chuvas. Belo processo, de cuja integridade e constância depende a vida na terra. Mas ação humana pode e está interferindo no ciclo da água e no próprio clima.
Ouvimos pelos noticiários de televisão e rádio ou lemos nos jornais as várias hipóteses de especialistas sobre o que está acontecendo e as possíveis causas das perturbações atuais no ciclo da água, que explicam a falta de chuvas e o calor que sentimos. De qualquer forma, não dá para ignorar nossa responsabilidade no problema. Todos temos que aprender a lidar com a água como um bem comum, tanto na sua abundância como na sua falta. De que adianta termos em território brasileiro a maior reserva de água doce do planeta se não soubermos lidar com ela? Vai faltar, como está faltando neste momento. O problema está tanto na torneira de casa, que nós abrimos sem cuidado, como no desmatamento em grande escala na outra ponta, tendo falta de regulação e gestão do uso por governos e empresas. A crise atual pode ter despertado e estar alimentando um crescimento da consciência coletiva sobre a centralidade do bem comum água na vida. Precisamos transformar isto em nova cultura política do cuidado com este comum fundamental.
Aqui no Rio de Janeiro e na extensa faixa litorânea do Nordeste ao Sul do Brasil devemos parar de destruir a Mata Atlântica e realizar um gigantesco esforço na sua recomposição. Na Bacia do Paraíba do Sul, principal fonte de água para abastecimento urbano do Sudeste, precisamos recompor a mata ciliar na margem de todas as nascentes, córregos e rios, o quanto antes. Mas o problema climático, de que o ciclo da água é parte, tem a ver com o desmatamento sem limites no Cerrado, onde nascem os principais rios do Brasil, tanto o São Francisco, como os afluentes amazônicos e da Bacia do Rio Paraná-Paraguai. A Floresta Amazônica é um dos principais reguladores do clima e do ciclo da chuva para nós, brasileiros, como de toda a América do Sul e além. Parar o desmatamento e deixar a natureza se recompor na Grande Amazônia é um caminho incontornável. Aqui estamos diante da necessidade, como cidadania, de cobrar dos governantes e políticos que elegemos uma total mudança nas leis, políticas e na gestão do território bem comum, com suas florestas e águas, com a sua capacidade de contribuir para a reprodução do ciclo da água, abastecendo e gerando energia que precisamos.
É, se continuarmos a tentar simplesmente no proteger do bom sol, voltaremos aos tempos da velha marchinha de Carnaval: “… de dia falta água, de noite falta luz!” Isto não é uma fatalidade, é uma criação humana. A hora de agir não pode ser mais adiada.
Foto: Brasil de Fato

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