Protestos femininos
Crédito: Hugo/Flickr.

Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
A cada ano, nos últimos 12 a 15 anos, quando se aproxima o 8 de março – Dia Internacional da Mulher –, por influência das feministas, sou levado a pensar sobre a questão das relações de gênero. Nós, homens, temos dificuldades para sentir e ver, portanto, para admitir as profundamente enraizadas desigualdades sociais decorrentes das relações de gênero, do machismo e patriarcalismo que moldam a sociedade. Nosso cotidiano, da casa ao trabalho, é marcado por situações e práticas que naturalizam tal desigualdade. Vivemos e agimos sem perceber e sem nos perguntar sobre o machismo que podemos estar praticando no dia a dia, a cada gesto, palavra ou ação. Quando acontece algo ao nosso redor, que denuncia o encrustado machismo, sempre é com os outros e não com a gente. E assim a vida segue.
Na semana de carnaval, fui surpreendido por minha neta Nina, que acaba de completar 7 anos, numa destas situações cotidianas. Como avô dedicado me senti sendo cutucado lá no meu íntimo. Doeu como bofetada na boca do estômago. Foi à noite, antes de dormir, ela sentada no meu colo, abraçada docemente, chorando, fez um protesto veemente. A partir de um detalhe sobre quem dorme onde, num discussão normal com seu irmão gêmeo, Tom, e seu outro irmão mais velho, de 10 anos, o Yan, Nina desenvolveu um discurso articulado sobre a injustiça no seu cotidiano. Perguntou-me: “Vô, por que meninas nunca têm direito? Por que os meninos sempre são os primeiros e meninas não podem? Por que esta injustiça? Sempre é assim, na escola, na pracinha, no videogame, na mesa, em casa, aqui com você e a vovó. Por que vô? Por que meninas não podem fazer certas coisas? Por que você, vô, não vê meu direito?” E por aí foi. Passou em revista seu dia a dia de menina, recém-alfabetizada, mostrando cada detalhe do que ela chamou de injustiça, isto mesmo, injustiça contra meninas. Eu até me considero, como pensador e ativista, um atento às causas feministas e um crítico das relações de gênero. Ser pego como machista pela neta de 7 anos foi demais.
Tive dificuldades para dormir aquela noite. Estava na Chácara, meu refúgio, onde leio, penso e escrevo, organizando minha cabeça e vida espiritual. Busco, também, um rumo para lidar com as contradições que todos temos que enfrentar no trabalho e na vida. Como o jornal não chega lá, enquanto bebo meu chimarrão, antes do café da manhã, ouço o cantar dos pássaros e vejo o dia raiar, desenvolvi o hábito de registrar situações e reflexões cotidianas numa espécie de diário. O assunto da manhã seguinte ao protesto da neta foi o machismo no interior da vida familiar. Dei particular atenção ao modo como o machismo determina lugares e posições para meninas desde tenra idade e, ao mesmo tempo, vai naturalizando a predominância dos meninos. Claro que existem diferenças. Mas diferenças não podem ser justificativa para gerar desigualdades que perpetuam o patriarcalismo e alimentam injustiças que se manifestam na sociedade. Conclui que este exercício para nós, homens, tomarmos consciência de nossas relações com as esposas, filhas e filhos, netas e netos, neste mundinho familiar reservado, pode  nos fazer ver o quanto o machismo contamina nosso olhar, nossos sentimentos, nossos modos de tratar a quem mais amamos. Pior, podemos descobrir quanto contribuímos, sem ter consciência clara, para reproduzir o machismo expandido para a sociedade como um todo. Talvez, finalmente, nos vejamos como parte de uma relação de gênero que precisa mudar nos seus dois polos – masculino e feminino – para que as mulheres tenham direito à igualdade social.
Minha neta tem muita razão para protestar desde cedo. Olhemos para o Brasil. As mulheres, apesar de se igualarem e até superarem os homens em escolaridade, tendem a ganhar um terço menos na mesma posição de trabalho. Sua expressão política, vista a partir de Câmaras, Assembleias e Congresso Nacional, está abaixo de 10%. Foi, sem dúvida, um enorme ganho a eleição de Dilma Rousseff como Presidenta do Brasil e a indicação de mais ministras mulheres. Mas resta muito a fazer. Na empresas, mas também nas organizações e movimentos sociais, apesar da grande presença feminina, a liderança, expressa nos cargos de chefia, do menor ao maior, é escandalosamente de homens em mais de 90% dos casos. Avançamos em leis, mas a violência contra a mulheres é algo estrutural. E o que dizer do tempo que as mulheres dedicam ao cuidado da família, de nós todos, que raramente recebe reconhecimento e apoio dos homens?
Para marcar este 8 de março, a Rede Social Watch publica o Índice de Equidade de Gênero, baseado em três indicadores: educação, participação econômica e empoderamento. Numa escala de 0, maior desigualdade, a 100, maior igualdade, os países foram classificados. Nenhum país está acima de 90, apontando que a desigualdade social, de diferentes modos, persiste em todo mundo. O país melhor situado, a Noruega, recebeu 89 e outros 7 países estão acima de 80, todos considerados de índice médio pelo Social Watch. O Brasil, com o índice 72, ocupa uma posição considerada ainda baixa. Estamos muito bem em educação (98), com indicador considerado baixo na participação econômica (75) e muito baixo em empoderamento (43). Maiores informações podem ser obtidas no site do Social Watch.
Minha neta ainda não entende de indicadores. Mas seu protesto, tocando na questão do empoderamento no seu cotidiano de menina, mostra bem onde o problema começa. Obrigado Nina e obrigado a todas mulheres que denunciam o nosso machismo como causa da desigualdade.

Comentários 2

  1. Relatório Social Watch 2012 | Canal Ibase
    3 de abril de 2012

    […] melhor pontuação do Brasil foi no quesito educação, com 98 pontos e a pior foi no quesito empoderamento, com apenas 43. Na participação econômica, o país marcou 75 pontos e sua média final foi 72, considerada […]

  2. andreza
    25 de maio de 2013

    A culpa da nossa situação atual é nossa, infelizmente. Criamos nossos filhos com “machismo feminino” quando dizemos para nossa princesinhas que o o irmão pode porque ele é menino. Essa situação só irá mudar quando criarmos nossos filhos sem descriminação de gênero, ou melhor, quando a educação for a mesma sem nenhuma distinção. Infelizmente eu vejo isso em casa e vejo mais, vejo minha mãe alimentando o machismo e ressaltando sua inferioridade. Porém, minhas conquistas pessoais não me nivelam a essa posição. Desprezando totalmente minha educação machista.

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