Por Natália Mazotte
texto originalmente publicado na edição 47 da revista Democracia Viva


Máscara utilizada como símbolo do grupo Anonymous. Crédito: Caro’s Lines/Flickr.

Hacktivismo virou termo recorrente no noticiário brasileiro e adentrou as conversas nossas do dia a dia quando, em junho passado, o grupo LulzSec tirou do ar o site da Presidência da República. A onda de ataques na rede, que já atingira o FMI e grandes empresas internacionais, chegava ao Brasil. Os hackers davam a entender que os seus motivos eram políticos. Por exemplo, “expor corrupção e segredos obscuros” de governos, corporações e bancos e ampliar a liberdade na rede.
Os ataques hackers em sequência pelo mundo levaram a reações entusiasmadas de ativistas, simpatizantes e grupos de esquerda. Micah White, editor da Adbusters, revista canadense anticapitalista e de estética inovadora, comemorou no site da publicação o enxame hacker. As ações, ao mirarem nas corporações e governos, também se diferenciavam, segundo ele, da linha reformista da militância na internet.
White, antes dos ataques no Brasil, escreveu: “Do surgimento do clickativismo [replicação de opinião pela internet] ineficaz ao uso de redes comerciais como espaço para organizar protestos, não havia muito o que celebrar no ciberativismo. Isso agora começa a mudar à medida que uma forma vibrante e visceral de hacktivismo começa a aparecer”.
Consulte especialistas e webativistas sobre a opinião de White e você terá tanto concordâncias quanto rechaços. O próprio termo hacker é alvo de disputas. Ninguém discordará, contudo, que o ativismo na e pela rede é vasto em formas e possibilidades.
O grupo Transparência Hacker, por exemplo, pressiona os governos a abrirem as suas informações e elabora projetos sociais que aplicam tecnologia e informação. Pedro Markun, já chamado em reportagem do Estadão de “hacker do bem”, é o integrante de maior renome do Transparência.
Markun já clonou o blog do Palácio do Planalto. A página lançada pelo governo passado não previa comentários dos internautas. Markun fez então uma cópia do site oficial, inseriu nele espaço para comentários e ocolocou no ar para competir com o da Presidência.
Sobre os ataques hackers do LulzSec, Markun opina que há modos mais proveitosos de se protestar na rede. “Definitivamente não é a forma que eu escolheria para propor coisas, mas acho legítimo e defensável. E acho que os sites governamentais precisam aproveitar essa oportunidade para melhorar e aprender, em vez de querer criminalizar”, diz ele.
Kristinn Hrafnsson, jornalista islandês porta-voz do site Wikileaks, participou neste ano no Brasil do Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Para ele, ações como as que promove o LulzSec são “atos de desobediência”, e não “grandes sabotagens”. “Qualquer ação de pressão gera um inconveniente, greves, protestos na rua, bloqueios”, argumenta.
O Wikileaks, cujo objetivo é vazar informações confidenciais de governos, conta com a simpatia da comunidade hacker. No final de 2010, o grupo Anonymous ganhou notoriedade ao promover uma guerra contra os sites de cartão de crédito e pagamento on-line que haviam cortado o serviço de doações para o Wikileaks. Tornou-se marca do Anonymous a máscara de bigode e cavanhaque finos do herói revolucionário de “V de vingança”, história em quadrinhos adaptada para o cinema. A máscara também foi adotada nas manifestações de indignados na Europa.
Kristinn Hrafnsson comenta que as ações do Anonymous em apoio ao Wikileaks são mais uma prova de que esses ataques consistem numa “forma de expressar uma grande raiva diante da arbitrariedade de certos governos e corporações”.
Para Richard Stallman, precursor do movimento de software livre, não dá para chamar de hackers quem derruba sites. Para ele, hacker é quem incentiva a livre circulação de informações. (Em artigo, Stallman explicou que ataques como o do LulzSec não exigem técnica apurada. Um programa envia várias requisições de entrada a uma mesma página, que, incapaz de suportar tantos pedidos, sai do ar.)
Apesar de muitas vezes divergentes, a definição de Stallman e as de outros ciberativistas para hacker vão, não por acaso, de encontro ao senso comum sobre o termo. No imaginário geral, hacker é quem invade sites para conquistar benefício próprio, financeiro ou de outra natureza.
Professora da Universidade de Nova York e especialista no tema, Gabriella Coleman também desafia o senso comum sobre hackers. Ela diz em artigo: “Hackers tendem a valorizar liberdade e acesso. São obcecados pelo prazer de encontrar soluções inovadoras, compartilhar e, em alguns casos, transgredir”. Alguns hackativistas chegam a usar o termo “cracker” para se referir e se diferenciar do “hacker do mal”, o hacker que busca o benefício para si.
Num ambiente de pouca regulação como a internet, a linha que separa o virtuoso do criminoso pode ser tênue. A vocação na rede, porém, tem sido muito maior para o ativismo, não só de grupos organizados, mas das pessoas em geral. Praça Tahrir, Puerta del Sol, os vazamentos do Wikileaks, tuitaços e marchas variadas não me deixam mentir.
Micah White, da Adbusters, critica o clickativismo, mas é unindo- se a uma causa no Facebook, compartilhando mensagens de protesto ou integrando um tuitaço, que a maioria das pessoas participa politicamente na internet. O clickativismo pode ser, inclusive, a única forma de participação política de muitos.
“O que faz da web um lugar tão propício para o ativismo é uma desintermediação. A ação política e a ação democrática são desde o século 19 pautadas por intermediários, que falam pela multidão. A internet permite a cada um ter a sua própria voz”, analisa o professor da Escola de Comunicação da UFRJ Henrique Antoun, organizador do livro “Web 2.0 – participação e vigilância na era da comunicação distribuída” (Mauad, 2008).
“De forma descentralizada, há uma coordenação on-line que resulta em protestos pelo Twitter, petições públicas, blogagem coletiva. Alguns saem do virtual e vão virar protestos no mundo real”, acrescenta.
Querendo ou não, governos e corporações vão precisar lidar cada vez mais com transparência e acesso, as principais bandeiras hackers. A tendência do mundo conectado, mais horizontal, autônomo
e propício à circulação de informações, é vazar.

Comentário 1

  1. Jader Oliveira
    6 de novembro de 2011

    No Brasil, a agenda do ocupa (Rio, SP, Salvador, etc.) é idêntica à do PSOL. Coincidências?

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