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Em Brasília (DF), organizações da sociedade civil articulam-se em reunião preparatória para a COP25


Representantes de ONGs e movimentos sociais se preparam para a COP25. Foto Ibase.
 
No primeiro dia de atividades da oficina de articulação da sociedade civil brasileira no processo COP25 ― que acontecerá na Espanha, no início de dezembro, após cancelamento do evento no Chile ―, os participantes discutiram o cenário político e econômico em relação às mudanças climáticas no Brasil. Pelo Ibase, estiveram presentes Athayde Motta, diretor da ONG, e a pesquisadora Nahyda Franca.
O mediador do debate, Marcos Arruda, iniciou o diálogo citando o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas. Do seu ponto de vista, existe uma falha na abordagem do IPCC, que compreende o crescimento econômico como “pedra intocável do edifício do sistema”. “Eles tomam como referência de fator o aquecimento global para examinar qual é seu impacto sobre vários indicadores, entre eles o crescimento econômico”, explicou Arruda. Para ele, é preciso inverter essa lógica e observar as consequências do modo de desenvolvimento dominante no mundo: “temos que olhar como o crescimento afeta o aquecimento global e é seu o principal gerador”, pontuou.
Na apresentação, Alexandre de Araújo Costa, da Universidade Estadual do Ceará, comentou os impactos notórios do aquecimento global em vários ecossistemas e seus efeitos já em curso, como as inundações costeiras e a mortandade dos corais de aǵua quente, locais de reprodução e alimentação de inúmeras espécies marinhas.
O professor ponderou aspectos do Acordo de Paris, resultado da COP21, e pontuou o compromisso assumido pelos países-parte em limitar o aumento da temperatura média global em 1,5ºC. Esse limite, segundo ele, já opera consequências extremas, como o risco de perda de 2/3 do corais de água quente, além de impactos maiores em termos de enchentes e secas. Conforme Alexandre, um aumento da temperatura média global “em mais de 2ºC já se configura como uma situação de caos climático”.
Ele ressaltou que, “para ter chances razoáveis de manter o planeta dentro do limite de 1,5ºC, é necessário cortar pela metade, até 2030, as atuais emissões globais de CO2 e zerá-las até 2050”. Para Alexandre, nós temos, hoje, uma ameaça existencial. Trata-se de uma catástrofe anunciada, caso o mundo continue fazendo o que já faz. “Cada país com reservas fósseis é, hoje, uma bomba nuclear”, comparou o professor.
Alexandre ainda mencionou o discurso do negacionismo climático, introduzido no debate público pelas indústrias de combustíveis fósseis, um dos desafios ao movimento climático. “A gente enfrenta uma máquina negacionista, a indústria de combustíveis fósseis ataca a ciência. Com as redes sociais, essa narrativa se difundiu”, alertou.
Para a ambientalista e pesquisadora Muiriel Saragoussi, a redução voluntária de emissões de gases de efeito estufa pelos países não é suficiente. “Precisamos de estratégias que dialoguem e que façam avançar a compreensão da humanidade sobre a questão, do ponto de vista ético, mas também pragmático, com a redução das emissões e, sobretudo, com a mudança do modelo de desenvolvimento”, argumentou.
Nesse sentido, Muiriel vê com otimismo o protagonismo dos jovens na agenda, que têm se articulado fora de espaços institucionais. “Precisamos apoiar os jovens, para que eles mostrem novas soluções”, afirmou. “As respostas só irão aparecer com coletivos pensantes buscando soluções. A gente precisa aprender a respeitar soluções diferentes das nossas, pois não temos respostas únicas”, ponderou a ambientalista.
 
Povos indígenas e comunidades tradicionais
Ronaldo Santos, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), afirmou que o risco de colapso iminente, consequência da mudança do clima do planeta, denuncia a falência de um modelo societário. Essa “sociedade que já deu errado”, avança nos territórios tradicionais, por meio do genocídio e derramamento de sangue, “impondo um modelo que é destrutivo”.
Conforme Santos, os povos originários e tradicionais “aparecem de forma secundária na luta pela sobrevivência do planeta”. Isso precisa mudar, segundo ele. “Nós precisamos ser vistos como centrais nessa luta pelas reduções de emissão de CO2, pelo adiamento dessa tragédia anunciada. Precisamos olhar para esses povos como aliados fundamentais na pauta das mudanças climáticas”, defendeu.
“Nossas lideranças estão morrendo”, destacou Valéria Paye, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela denunciou a tentativa de reversão dos direitos dos povos indígenas operada pelo atual governo federal, como a paralisação dos processos de demarcação de terra, o desmonte da Funai, a criminalização de lideranças e a ausência de acesso à justiça.
Nesse contexto de suspensão de direitos, a Apib têm buscado espaços políticos e visibilização das questões indígenas, como o Acampamento Terra Livre e a construção de “protocolos de consultas”.  “Estamos construindo um protocolo para dizer como queremos ser tratados e como queremos que seja feito o diálogo com cada povo”, explicou Valéria.
A agenda sobre mudanças climáticas é uma das prioridades do movimento indígena, afirmou a líder indígena. Para ela, os movimentos e articulações da sociedade civil que pautam temas ambientais precisam considerar “como os saberes indígenas e das comunidades tradicionais contribuem para as discussões sobre mudanças climáticas”.
Amanhã (5/11), o encontro continua com a discussão sobre estratégias de incidência na COP25.

 
 
 

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