Cândido Grzybowski
Diretor do Ibase
O verão está inclemente, com temperaturas sufocantes. Agora, sentir calor e ter que se espremer em um meio de transporte público, no geral sem ar condicionado e, como nos trens, caindo aos pedaços, já é demais. Ainda mais com atrasos e numa viagem incerta, pois os riscos são muitos.
Este está sendo o cotidiano de milhares de pessoas no Rio e nas grandes cidades do Brasil. Aqui no Rio tivemos aquela vergonha dos trens da Supervia (de super só tem os problemas) administrada por um dos tais grandes campeões econômicos, a construtora Odebrecht, que vive colada no Estado, em seus vários níveis, como carrapato, sugando tudo o que pode. Pior do que atrasar e estar superlotados, os trens têm a mania de não andar, com acidentes frequentes, como o último que paralisou todo o sistema por 13 horas. Os ônibus, feitos mais para dar lucros a um cartel de empresários do que para transportar gente, quando não estão parados em engarrafamentos monumentais, correm como loucos, ziguezagueando pelas ruas e fazendo os passageiros se sentir numa viagem de aventura de alto risco.
Onde fica o direito de ir e vir? Ir ao trabalho ou mesmo sair para se divertir um pouco e voltar em segurança para casa se tornou uma tarefa de muitos sacrifícios. Além do precioso tempo gasto para se deslocar, roubando tempo de vida com a família, os amigos, na vida comunitária ou em lazer, a questão do transporte se tornou uma das expressões mais vergonhosas de nossos problemas básicos não resolvidos e longe de serem enfrentados. Ela foi um dos estopins da explosão de cidadania nas ruas em junho de 2013. Soa como agressão à cidadania – e é de fato – ouvir governantes alegar falta de recursos públicos, enquanto financiam estádios “padrão FIFA”, feitos com recursos públicos e privatizados em seguida, como o Maracanã. Pior, é uma bofetada ver os horrores que estão sendo gastos no Porto Maravilha e a gente não poder exercer decentemente o direito de ir e vir na cidade.
Estamos numa enrascada. A prioridade de governos desde muito tempo tem sido os veículos sobre quatro rodas. O carro individual é o símbolo da sociedade industrial produtivista e consumista. A indústria ou, melhor, os capitais investidos na produção de carros, agradece esta prioridade do desenvolvimento, com subsídios fiscais como nos últimos anos, tudo em nome de emprego e crescimento. Só que transformamos nossas cidades em espaços impossíveis para se viver e se deslocar. Foram feitos investimentos e continuam sendo prioridades os carros, com vias expressas, viadutos. Bem, também se priorizaram ônibus, produtos da mesma indústria, ao invés de trens e metrôs, transportes de massa muito mais eficientes. Enfim, vivemos em cidades planejadas para serem para carros e não para a cidadania.
Estamos longe de pensar em primeiro lugar no direito de ir e vir, um direito básico. Gastar de duas até quatro horas diárias para se deslocar é uma agressão, mas é a realidade cotidiana de muita gente. Além disto, só podemos esperar mais desastres com esta falta de planejamento, de pensar e começar a construir hoje a cidade como bem comum para todas e todos. Como dói saber que se gasta aquele dinheirão num linhão do metrô, que vai ligar os ricos de Ipanema e Leblon aos mais ricos emergentes da Barra, ao invés de transformar em metrô de superfície os mais de 300 km de trens da Zona Norte, que atenderiam a mais de 6 milhões de pessoas! Por que isto? A única explicação que vejo são os interesses das construtoras, que sempre estão acima da cidadania.
Enfim, nunca teremos cidades para a cidadania sem eficientes sistemas de transporte de massa. E isto demora para ser feito, anos e até décadas. É possível? Claro! Talvez neste ano de Copa do Mundo e eleições, com muita oportunidade de se manifestar, protestar até, seja possível fazer nossos representantes ver que assim não podemos continuar. Ou mudamos de rumo ou nós, pelo voto e em manifestações nas ruas, corremos com todos. Basta de desrespeito! Basta de tanto sofrimento e tanto risco no dia a dia! Afinal, o desenvolvimento que conta é o que amplia direitos e dignidade de todas e todos. Melhorar o cotidiano dos transportes públicos nas nossas cidades e fazer milhões de pessoas ganhar uma a duas horas por dia em qualidade de vida. Queremos e podemos ganhar a Copa, mas mais importante é começar a mudar a realidade de nossas cidades, sem o que a festa perde seu brilho.

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