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Declaração conjunta dos movimentos e coletivos participantes da Marcha Popular pelo Clima no Rio de Janeiro

No dia 29 de novembro, às vésperas da 21ª Conferência das Partes (COP-21) em Paris, pessoas, organizações não-governamentais e movimentos sociais em várias cidades do planeta se manifestarão em favor de ações que possam verdadeiramente frear as mudanças climáticas e combater a destruição do meio ambiente em todos os seus aspectos.

No Rio de Janeiro não será diferente. Pois cabe aos múltiplos sujeitos coletivos reunidos sob o nome de “sociedade civil”, das classes trabalhadoras em geral às diversas minorias políticas e culturais do país (indígenas, negrxs, camponesxs, mulheres, LGBTs), se mobilizar para conceber e implementar novas maneiras de viver, e ao mesmo tempo para exigir das autoridades e governantes medidas efetivas para a promoção de uma vida digna em ambientes dignos, que entendemos serem um direito de todxs.

Queremos o respeito por todos os seres humanos e por todas as demais formas de vida, e nos levantamos contra as atividades econômicas que, em nome de uma ideia ultrapassada de desenvolvimento e de falsas promessas de prosperidade, vão irresponsavelmente destruindo nosso mundo comum de modo cada vez mais acelerado e violento.

Por meio da marcha, esperamos incluir a questão das mudança climáticas globais e suas implicações locais como pauta absolutamente prioritária na agenda social e política nacional. A concentração será no Posto 8, em Ipanema, a partir das 10h!

Objetivos da marcha:

1. Chamar a atenção da população do Rio de Janeiro para a gravidade das mudanças climáticas globais e o amplo espectro de suas consequências sobre nossa cidade e país;

2. Exigir dos governantes, em todos os níveis do aparelho de Estado, compromissos efetivos para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a descarbonização da economia, além da adoção de medidas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, especialmente no que se refere às suas consequências sobre os setores mais vulneráveis da população.

Principais reivindicações:

1. Adoção imediata de medidas efetivas para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) geradas no Brasil por todos os setores da economia, especialmente as provenientes do uso de combustíveis fósseis, da agropecuária e do desmatamento, que são os setores que mais emitem GEE no país.

2. Desmatamento zero em todos os biomas nacionais como meta de curto prazo.

3. Programas amplos e consistentes visando a transição para uma economia de baixo carbono.

4. Fim do incentivo aos combustíveis fósseis e reconcepção integral da infraestrutura dependente deles.

5. Fim dos subsídios à agropecuária industrial e estímulo às iniciativas de agroecologia.

6. Incentivo à geração de energia renovável descentralizada (notadamente solar e eólica), produzida e distribuída local ou regionalmente, sem interferência sobre as formas de posse e uso da terra pelos pequenos agricultores e as populações tradicionais em geral.

7. Adoção de medidas efetivas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas que comprovem o compromisso assumido pela cidade do Rio de Janeiro ao integrar o “Grupo C40 de Grandes Cidades para Liderança do Clima”.

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Dez reivindicações socioambientais relacionadas à mudança do clima:

1. Fim dos subsídios aos combustíveis fósseis: A queima continuada e em grande escala de combustíveis fósseis emite gases de efeito estufa, que aumentam a temperatura média global. Além disso, a exploração e produção desses combustíveis causa impactos severos ao meio ambiente e às populações do entorno das instalações (resíduos, vazamentos e efluentes; desestabilização dos modos de vida e economia locais; remoções e reassentamentos etc). O fim dos subsídios implica, entre outras coisas, uma intervenção de larga escala na infraestrutura dos meios de transporte público de passageiros e do transporte não-motorizado.

2. Combate ao desmatamento: A destruição da floresta amazônica, da mata atlântica, bem como de outros biomas do país, em especial o cerrado, o pantanal e a caatinga, aumenta a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, contribui substancialmente para a elevação da temperatura global e tem efeitos dramáticos sobre os modos de vida das populações humanas, bem como sobre as condições de existência de inúmeras outras espécies vivas, isto é, sobre a sociodiversidade e a biodiversidade que o território nacional abriga.

3. Fomento a micro e minigeração solar e eólica: Descarbonizar a economia é essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera e estimular a participação majoritária de fontes não-fósseis na matriz energética. Em defesa de um programa de transição que diminua a participação das fontes fósseis (termelétricas) e renováveis centralizadas (hidroelétricas e parques eólicos) que têm afetado os ecossistemas e populações locais, para uma maior geração através de fontes renováveis descentralizadas. Defendemos a micro e minigeração de energia solar e eólica residencial como uma importante alternativa para aumentar a autonomia das populações locais, a geração da renda e o enfrentamento da crise hídrica e das mudanças climáticas

4. Preservação dos recursos hídricos: A mudança climática interfere nos regimes de chuva e contribui para o agravamento da seca que já assola a maior parte do país. O barramento irresponsável da maioria dos grandes rios da bacia amazônica e a construção de gigantescas estruturas de geração de energia hidrelétrica não podem ser considerados uma alternativa de “energia limpa”. Além disso, não é aceitável a extração de petróleo e gás através do fraturamento hidráulico (fracking) em nosso país, com sérios riscos de contaminação dos corpos hídricos, principalmente os aquíferos Guarani/Serra Geral e Alter do Chão, listados entre as maiores reservas de água doce do mundo.

5. Respeito aos direitos socioambientais das comunidades urbanas de baixa renda, dos povos indígenas, dos quilombolas e demais populações tradicionais: Historicamente, as atividades de grandes empresas extrativistas (minerárias, petroleiras) e de complexos industriais têm graves consequências econômicas, sociais e ambientais para as comunidades próximas às instalações, além de frequentemente implicarem na violação de artigos constitucionais e de compromissos internacionais relativos aos direitos dos povos indígenas e outras populações tradicionais. Reivindicamos a efetivação de consultas livres, prévias e informadas às populações tradicionais e povos indígenas, conforme preconiza a Convenção 169 da OIT.

6. Por uma reforma agrária agroecológica: O modelo industrial de produção agropecuária (agronegócio), centrado na monocultura extensiva — frequentemente de cultivares transgênicos —, no uso de insumos químicos (fertilizantes, agrotóxicos, antibióticos e hormônios) e na alta mecanização, provoca graves consequências socioambientais.. O uso absurdamente elevado de agrotóxicos, item no qual o Brasil é campeão mundial, produz impactos devastadores na saúde humana, tanto nas populações próximas aos sítios de impacto como nos consumidores de alimentos literalmente envenenados. Tal modelo de produção demanda, além disso, a concentração da propriedade fundiária, a exploração do trabalhador rural e o consumo não local da produção. Não é coincidência que o número de assentamentos da reforma agrária tenha caído de forma tão drástica nos últimos anos.

Queremos o incentivo firme à agroecologia como forma de manejo dos recursos naturais, adotando tecnologias de base ecológica que respeitam os ciclos e as condições locais da terra e preservam a saúde tanto dos produtores diretos quanto dos consumidores finais. A agroecologia valoriza o conhecimento tradicional dos produtores e se dá em pequenas propriedades, empregando o trabalho familiar e priorizando as redes regionais de produção e distribuição de alimentos, o que contribui para a autonomia local.

A pecuária industrial, além de submeter os animais a situações de degradação e sofrimento, é uma atividade altamente intensiva em uso de água e uma das principais emissoras de gases de efeito estufa. Reivindicamos novas práticas que priorizem o bem-estar animal, a preservação dos recursos naturais e os pequenos produtores locais, como a pecuária orgânica e a produção animal associada a tecnologias da agroecologia.

7. Oposição ao desenvolvimentismo excludente e predatório: Os investimentos em grandes projetos de infraestrutura energética (como Belo Monte e a transposição do rio São Francisco) e as reformas urbanas dos últimos anos (como as empreendidas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas) têm por objetivo beneficiar as grandes empreiteiras e complexos industriais altamente poluentes (como a siderúrgica Thyssenkrupp), sem levar em qualquer consideração os interesses, direitos e necessidades dos diversos grupos sociais e comunidades diretamente afetados por estes projetos e obras. Desejamos modelos de geração e distribuição energética mais limpa, de alcance local e menos intensivos em capital, de forma a aumentar o controle e a participação social, gerar mais empregos e garantir o acesso das populações locais à energia gerada.

8. Sinergia ​com a Encíclica papal Laudato Si’ e com pronunciamentos de diversos outros líderes religiosos e indígenas sobre as mudanças climáticas: A encíclica do papa Francisco dedicada ao meio ambiente, divulgada em junho, reconhece o consenso científico sobre as responsabilidades humanas nas alterações climáticas e defende ações decisivas e imediatas para interromper a degradação ambiental e a injustiça social. Outros lideres religiosos também já se pronunciaram sobre a urgência da situação atual: em agosto de 2015, foi assinada em Istambul a Declaração Islâmica sobre a Mudança Climática Global, na presença de religiosos, cientistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil; em maio deste mesmo ano, tivemos a Declaração Budista sobre as Mudanças Climáticas (The Time to Act is Now); em junho, a carta dos rabinos sobre a crise climática; em outubro, a Declaração de Líderes Religiosos e Espirituais sobre a COP 21. A estes devemos acrescentar, evidentemente, as denúncias e advertências de diversas lideranças indígenas, no Brasil e no resto do mundo, como, por exemplo, o memorável depoimento do xamã e ativista político yanomami Davi Kopenawa.

9. Em defesa de um Rio de Janeiro engajado no combate às mudanças climáticas: As mudanças climáticas, embora afetem todo o planeta, incidem localmente de maneira muito desigual. Em todo o mundo, são os países e as populações historicamente vulnerabilizados que sentirão seus impactos de maneira mais forte. Na América do Sul, o Rio de Janeiro tem sido apontado por alguns estudos como a cidade que, por suas características geográficas, será mais afetada. Pequenos agricultores e pescadores, além dos moradores de áreas de risco como as baixadas e encostas dos morros, já convivem com a omissão do poder público frente a eventos como deslizamentos e alagamentos. Conhecemos bem o caso das comunidades localizadas na Região Serrana, e agora estamos enfrentando as consequências de uma estiagem prolongada. Para todos estes, reivindicamos a desnaturalização dos desastres e exigimos que os governos se responsabilizem pela segurança da população frente aos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas, adotando políticas públicas condizentes com os riscos crescentes.

Uma cidade que pleiteia ser integrante do “Grupo C40 de Grandes Cidades para Liderança do Clima” deve fazer a sua parte e contribuir significativamente para o enfrentamento da crise climática e hídrica.

10. Não foi acidente: investigação dos responsáveis pela tragédia socioambiental em Mariana (MG) e adjacências. Contra a flexibilização das regras de licenciamento ambiental. O atual modelo econômico brasileiro, centrado na extração de recursos naturais para exportação – dentre os quais se destacam os minérios –, tem gerado conflitos, impactos socioambientais e tragédias em larga escala. O mais recente caso envolvendo o rompimento das barragens de rejeitos da empresa Samarco (controlada pela Vale e pela australiana BHP Billiton), produzindo um rastro de destruição ao longo de toda a calha do Rio Doce e de uma extensa faixa litorânea, com um número ainda não determinado de humanos e animais mortos e centenas de pessoas desabrigadas e expropriadas, expõe os limites desse modelo. É o resultado de uma política que prioriza a expansão das fronteiras da indústria extrativa (mineração, petróleo e gás) e do agronegócio, desrespeitando os territórios e direitos de povos indígenas, quilombolas, pequenos agricultores, pescadores e demais populações tradicionais. Por essa razão, é preciso deixar claro que não se tratou de um acidente, mas sim de um crime ambiental, pelo qual as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton devem ser responsabilizadas. É por isso também que nos opomos às recentes investidas parlamentares de flexibilização das regras de licenciamento nesses setores.

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