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Direitos humanos e prevenção ao genocídio

Rita Corrêa Brandão 

Especialista em Indicadores Sociais, diretora do Ibase e membro da coordenação executiva da Plataforma Dhesca

A convite do Estado Brasileiro, a subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) e assessora especial sobre prevenção ao genocídio, Alice Wairimu Nderitu, esteve em visita ao país no período de 1 a 12 de maio. Com uma agenda extensa, Alice conversou com representantes de diversos ministérios – como Igualdade Racial, Direitos Humanos e Cidadania, Povos Indígenas, Mulheres, Esporte, Saúde e Justiça e Segurança Pública – além da Defensoria Pública da União, Procuradoria Geral da República, Advocacia Geral da União e integrantes de governos estaduais incluídos na missão. Encontrou-se ainda com lideranças de favelas e periferias, no Rio de Janeiro, e de comunidades indígenas Yanomami e, em Roraima, e do povo Guarani-Kaiowá, em Mato Grosso do Sul.

 

Alice Wairimu Nderitu se reuniu na sede do Ibase com representantes da sociedade civil e vítimas da violência do Estado. Foto: Samuel Tosta/Arquivo Ibase.

No Rio de Janeiro, o dia dedicado à sociedade civil foi organizado por um grupo de entidades e movimentos formados pela ACT Alliance, Fórum Ecumênico ACT Brasil, Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Justiça Global, ODH Projeto Legal, Movimento Nacional de Direitos Humanos e Ibase. O encontro foi realizado no Galpão da Cidadania, sede do Ibase, e contou com a participação de 80 representantes de movimentos, organizações da sociedade civil defensoras de direitos humanos e familiares de vítimas de violência do Estado causada por ações da polícia.

É de suma importância considerar que todas as pessoas que se dispuseram a estar conosco naquela tarde – especialmente os(as) diretamente atingidos(as) por abusos e violência policial – acreditaram que as entidades organizadoras proporcionariam um ambiente de confiança e segurança para exporem suas vidas e dores mais profundas. Alguns dos presentes ao encontro e seus familiares convivem com ameaças às suas vidas simplesmente por buscarem justiça e reparação.  Os depoimentos, todos muito fortes, que ouvimos naquela tarde foram imprescindíveis para caracterizar os fatores de risco de crimes de genocídio.

Este é um porto a ser reforçado: Alice é assessora especial da ONU sobre prevenção ao genocídio e, como reiterou algumas vezes em nossas conversas, a visita não tratava de determinar se o crime de genocídio foi cometido ou não. Tal tarefa cabe aos tribunais internacionais. O que a subsecretária da ONU buscava era analisar a presença de situações de risco para ampliar a possibilidade de proteção aos grupos vulneráveis presentes que expunham as situações concretas vividas. Entender essa lógica é absolutamente fundamental para o correto enfrentamento da grave situação que vivemos, reconhecendo aliados e agindo nas esferas próprias para cada etapa.

Em sua declaração oficial após a visita, Alice Wairimu Nderitu aponta que há registros de graves violações do direito internacional dos direitos humanos contra grupos vulneráveis, destacando a presença do uso excessivo da força pelas agências de segurança nas ações violentas da polícia contra pessoas negras a pretexto de combater a criminalidade nas comunidades onde vivem e que a responsabilização pela morte de pessoas afrodescendentes é quase inexistente no Brasil. O documento também considera que a presença desses fatores de risco para crimes de atrocidade exige medidas urgentes por parte das autoridades, da sociedade civil, da mídia, das Nações Unidas e de outros atores relevantes para corrigir essa trajetória.

Dentre as recomendações feitas por Alice, destaco os trechos “o Brasil é signatário da Convenção de Genocídio e de outros tratados de direitos humanos, deve combater a impunidade, principalmente entre as forças de segurança que cometeram graves violações contra indígenas e afrodescendentes brasileiros” e “o Governo deveria examinar as atuais políticas de combate ao crime (drogas), que têm impactado fortemente a população negra e investigar vigorosamente todos os incidentes de assassinato e execuções extrajudiciais. Por exemplo, mortes em mãos de policiais classificadas como atos de resistência à prisão devem ser integralmente investigadas por órgãos independentes”. Há ainda o reconhecimento do papel inestimável que representantes dos meios de comunicação têm na educação, informação, sensibilização e alerta sobre situações de risco de genocídio e crimes atrozes relacionados, contrapondo as narrativas de ódio e segregação com fatos verificados.

A íntegra das recomendações de Alice Wairimu Nderitu pode ser acessada aqui.

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