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Como romper impasses e enfrentar a barbárie?

Manifestantes durante a COP 23, na cidade de Bonn, na Alemanha

Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase

Na madrugada do último sábado, em Bonn, na Alemanha, a COP-23, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, terminou sem conseguir acordos substantivos entre as partes para a redução das emissões de gases poluentes na atmosfera. E assim, de conferência em conferência, apesar das evidências científicas das causas e da clareza dos desafios planetários que representa a mudança climática, não se cria a vontade política coletiva necessária para agir desde aqui e agora. Por que a incapacidade diante de tal ameaça para a humanidade inteira e seu grande bem comum, o Planeta Terra?
A primeira e a mais evidente razão para o fracasso das negociações e compromissos é a caduca organização do próprio poder dos estados no mundo. O capitalismo globalizado das grandes corporações está fora e acima do controle estatal e multilateral existente. A mudança climática é mais do que uma questão diplomática internacional (“entre nações”), pois é global e exige respostas planetárias coletivas urgentes. Trata-se de limitar imediatamente o capitalismo e sua economia consumista e predatória, baseada na energia fóssil, movidos pela busca de acumulação privada de riquezas, pois aí se radica a causa do problema. Enquanto isto, os Estados Nacionais, em nome da soberania, podem ignorar compromissos assumidos ou negá-los, como fez o Trump em nome do tal interesse nacional dos EUA.
A segunda razão do impasse e do adiamento de políticas corajosas para limitar a mudança climática é que isto acaba pondo na mesa de negociações problemas estruturais de fundo. Em meio às disputas sobre as responsabilidades diferenciadas pela mudança climática surgem duas outras questões incontornáveis: de um lado, a escandalosa concentração de riquezas em poucas mãos e a crescente desigualdade social, com exclusões, fome e pobreza, guerras, racismos, intolerâncias, migrações; de outro, a destruição da biosfera com ameaças à integridade dos sistemas ecológicos do Planeta. Não há sustentabilidade socioambiental possível sem enfrentar, ao mesmo tempo, estas questões intrínsecas ao crescimento capitalista.
Uma terceira questão diz respeito ao modo de promover uma transição de ordem planetária impulsionada pela força transformadora de mudanças que emergem da diversidade de territórios e culturas onde nos constituímos como uma mesma e única humanidade, vivendo num mesmo e único Planeta, bem comum a ser compartido entre todas e todos, como condição da vida. Como enfrentar tal desafio em meio ao ressurgimento de nacionalismos autoritários, de fascismos e fundamentalismos negadores da igualdade na diversidade, com perda de intensidade das democracias como modos de concertação sobre projetos possíveis? Apesar do sombrio quadro das contradições presentes no mundo de hoje, penso que a barbárie não pode ser aceita como inevitável.
Na semana do Dia da Consciência Negra, aqui no Brasil, estou pensando em todas as questões acima em relação ao que estamos vivendo. À primeira vista, parece que elas estão muito distantes das nossas urgências e resistências. Sem dúvidas, estamos em meio a uma desconstrução tão ampla e profunda de direitos de cidadania, de condições de trabalho, de segurança pública, que até o convívio social no cotidiano dos territórios em que vivemos parece ameaçador e sem perspectivas. Numa conjuntura assim, como tentar pensar mais além? Como gestar no seio da sociedade civil brasileira movimentos de cidadania com visões, propostas e a esperança coletiva de que outro Brasil e outro mundo são possíveis?
O desafio é de monta. E o que está dominando no mundo não ajuda, pelo contrário, torna a tarefa muito mais difícil. Mas, por mais urgentes que sejam nossos problemas, não podemos nos voltar apenas sobre nós mesmos. Também não podemos transferir nossos problemas para os outros ou ficar dependentes de acordos multilaterais sem engajamento efetivo ou do poder estatal nacional colonizador, racista e patriarcal, além de profundamente corrompido, como o que temos hoje.
A hora e a vez de mudança só podem vir de movimentos de cidadania, de cada lugar, se articulando a partir de sua legítima diversidade em poderosa rede que envolve o mundo inteiro. Mas precisamos agir desde aqui e agora. Esta é a nossa tarefa de cidadania brasileira intransferível. Com visão cosmopolita e planetária, com ousadia e determinação, transformemos nossas trincheiras locais de resistência em oportunidades para nos refazer e fortalecer como cidadania ativa desde os territórios em que vivemos. Trata-se de nos reencontrarmos em torno aos princípios e valores éticos, de criar e disputar imaginários, dando legitimidade e força política para processos democráticos  de transição e transformação de baixo para cima.
 
Rio de Janeiro, 21/11/17

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