Cândido Grzybowski

Sociólogo, diretor do Ibase

São uma necessidade do viver os momentos de parar, respirar e – por que não? – relaxar. Viver é saber levar a vida em meio a circunstâncias que são dadas, que fogem ao nosso controle. A gente precisa reconhecê-las e, se possível, tirar partido delas, mesmo quando adversas. Afinal, na sabedoria popular retratada em canção, a gente precisa sempre levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, sem desanimar. Saber curtir a vida, apesar dos momentos difíceis e sofridos que sempre ocorrem, é recarregar baterias e ir seguindo. O amanhã parece mas nunca está determinado. Sempre poderá ser um glorioso dia, pois nada define de antemão como ele será. História coletiva ou individual é um acontecer no dia a dia, sempre renovado, para o bem ou para o mal, mas novo. Esta é a maravilhosa sina da vida, uma surpresa mais do que uma fatalidade.
Os dias vão passando, o janeiro se foi e o curto fevereiro logo vai terminar. O calor está de rachar. A sorte é que as chuvas estão sendo muito mais abundantes e não estamos ameaçados pela falta de água, como nos últimos verões. Chegou o Carnaval, momento um tanto mágico e de explosões de alegrias neste nosso sofrido país. De fato, merecemos uma pausa assim. A crise pela qual passamos pode esperar, mas ela não ajuda para a gente se soltar e a esquecer completamente. Claro, o momento é até de esculachar a crise, o governo federal, os nossos governadores e prefeitos, os políticos em geral. O Carnaval se presta para isto mesmo, para lavar a alma rindo de tudo e todos que parecem revestidos de pompas e glórias do poder e esquecem a realidade do povão.
Rir ajuda a ir levando. Porém, a coisa está feia! Estamos num rolo só. Os golpistas não estão satisfeitos em atropelar a democracia, de enquadrá-la ao tamanho do mercado, e de destituir direitos de cidadania para tanto. Penso que o pior de tudo é tentar desfazer nossos sonhos e esperanças de que podemos construir um país melhor, mais participativo e igualitário, valorizando nossa enorme diversidade sociocultural como povo, tratando com mais cuidado o bem comum natural e compartindo a riqueza produzida entre todas e todos. Parece até que o imaginário de um país radicalmente democrático virou fumaça e retornamos ao Brasil patrimonialista e privatizante, machista e racista, aquele dos velhos donos de “gado e gente”.
Apesar de não ter a oportunidade de aprender bem os requebros e molejos dos ritmos de Carnaval, sempre gostei do ambiente que se cria em tais dias. É algo envolvente, mesmo não acompanhando blocos de rua ou vendo desfiles. O meu desejo pessoal é este mesmo: saber qual o segredo da força do Carnaval e como tal energia pode ser mobilizada para a nossa redenção diante da destruição que está acontecendo por obra das forças políticas que assaltaram o poder estatal. Será que meu desejo toca em questão totalmente descabida?
Estou aqui a pensar no que podemos ainda ter como esteios do nosso orgulho como povo. Claro, temos o futebol que, apesar de revezes próprios do disputar campeonatos e perder ou ganhar, nos dá muita alegria. Mas, acima de tudo, penso que a cultura e, em especial, a música e o canto são o cimento de nossa identidade numa complexa diversidade, com racismos, machismos, desigualdades e muitas outras mazelas. O pertencimento, aquele sentido de ser parte de um povo, não é decorrente de bandeiras e hinos nacionais, mas está na vibrante e complexa cultura musical, verdadeira trincheira do ser brasileira e brasileiro. Por isto, Carnaval não é e nunca foi o ópio. É momento de celebrar o que somos, apesar de tudo. A gente nem precisa pensar sobre isto, basta se deixar levar pelo clima cultural que o Carnaval cria para a gente se sentir parte.
Vendo assim o Carnaval e todo a nossa intensa vida cultural com canto, música e muitos ritmos, penso que este é também um patrimônio político fundamental. Nele reside o fermento transformador da política, alavanca ao alcance da mão para construir democracia para valer como modo de viver em coletividade. Por sinal, existe algo mais democrático do que um bloco de carnaval? Existe algo mais genuinamente expressão de criatividade do que tudo o que o povão mostra nas ruas durante o Carnaval?
Estamos diante de algo concreto que mexe com valores e sentidos do viver e com identidades na diversidade. Ninguém, nem mesmo a ditadura militar, tirou isto da gente. Não será um governo golpista de ocasião que poderá tirar. Mas precisamos extrair da explosão de música, ritmos, danças, fantasias e alegorias, das sátiras embutidas nas marchinhas e dizeres do Carnaval, lições para a democracia participativa. Ou entramos no ritmo das mensagens que emergem das ruas ou nunca nossa democracia poderá dizer que tem raízes populares. Acho a vibrante cultura que temos o nosso maior potencial para voltar a sonhar e acreditar que outro Brasil é possível.
Sem dúvida, estas minhas inquietações carnavalescas podem parecer meros devaneios de alguém que, por caminhos tortuosos da vida, é um ativista da palavra escrita e pouco entende dos meandros do Carnaval que admira. Em todo caso, faço o meu Carnaval no sítio lidando com plantas, ouvindo música, lendo, pensando e escrevendo. Estou distante, mas ligado. A difícil crise política, econômica e social fica um tanto mais amena, domável por assim dizer, aqui no meu refúgio.
 
Rio, 20/02/17

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